sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Quando Jesus nos deixa
Frequento um retiro para jovens evangélicos. Tenho de apresentar três estudos bíblicos para cerca de duas dezenas de baptistas. Sei o que esperam de mim. Devo ser enfático, assertivo, convicente. Sendo na época do Carnaval a organização do acampamento aproveita para sugerir o tema “Máscaras”. O outro pregador de serviço insiste em afirmar que um crente não pode andar disfarçado. Uma espécie de “pão, pão, queijo, queijo” religiosamente certificado. Não me passa pela cabeça contrariá-lo. Pego em três episódios: Estêvão, Pedro e Jesus desfigurados. A face angélica do condenado ao apedrejamento, o discípulo amedrontado e o Messias irreconhecível no caminho de Emaús. Tento uma exegese menos militante.
Três dias depois a coisa acaba. Não fui grande mensageiro do púlpito. Fugi de parte razoável das actividades. No entanto, houve um jogo de futebol memorável. Porque a minha mulher não me pôde acompanhar deu para matar as saudades do espírito nocturno dos aposentos dos rapazes. As casas de banho eram de fugir: sem tampa da sanita não pode haver coração grato no louvor. Regresso a casa satisfeito com o divertimento e estafado com a quantidade de sermões à qual fui exposto. Preciso do meu lar. Apenas.
O nível de audição de prédicas pastorais na qual um jovem evangélico é educado é violento. Nem nos apercebemos. Receamos estar juntos sem que alguém traga a palavra do Senhor. Somos uns porreiros. O nosso Deus carece sempre de uma mãozinha para se fazer entender à humanidade. Não suportamos o silêncio. Temos dificuldade em ler a Bíblia sem uma ajuda devocional. Procuramos a inspiração mas a verborreia fica-nos a matar. Orgulhamo-nos dos nossos cultos palavrosos e barulhentos como a criança de dois anos que quer mostrar às visitas tudo aquilo que já sabe fazer. Os primeiros cinco minutos são vibrantes. Os restantes são um suplício.
O Messias no caminho de Emaús não foi identificado pelas suas palavras. Depois de uma grande conversa teológica com os dois viajantes, foi pelo partir do pão que foi reconhecido. Quando os olhos dos seus interlocutores se abriram já o Mestre tinha desaparecido. Será que é esta a nossa sina?
Tiago de Oliveira Cavaco