sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Da Honda CBR para o claustro
O Alberto era um rapaz que gostava de andar de mota. Quando decidiu fazer um curso de mergulho conheceu a Dina. As águas de Sesimbra testemunharam da paixão que nasceu bem abaixo do nível do mar. Quando o rosto da Dina achou graça aos olhos do Alberto, ele não poderia antecipar que se afeiçoava a uma evangélica. Desconhecemos se foi bênção ou castigo. O facto é que a regra das probabilidades foi desafiada. No nosso país um rapaz tem menos de um por cento de hipóteses de que, ao conhecer uma rapariga, ela seja evangélica. Ao Alberto calhou esta sorte. O Senhor sabe o que faz.
A Dina é uma crente dedicada. E se é certo que foi contra o bom-senso ao desencantar um não-crente, maior verdade é que cedo o colocou na ordem: em poucos meses o Alberto trocava os fins-de-semana de deportos radicais pela frequência dos cultos matinais de Domingo.
Todos os casais de namorados são despropositados. O mundo ocidental, demasiado alimentado, é competente a inventar passatempos. A sabedoria ensina-nos que só há três estados: solteiro, noivo e casado. No entanto o estatuto de namorado é um sucesso. É uma perda de tempo. Mas instituída. Não há como lhe escapar. Isto para sublinhar que para além das chatices costumeiras de um namoro, a Dina e o Alberto têm a questão religiosa a dedilhar as cordas da banda-sonora do filme.
Com a eficácia das mulheres a funcionar em pleno, o Alberto acabou por tomar “uma decisão”. Já lhe deram um curso de discipulado e, antes que se aperceba, ainda vai acordar uma manhã destas nas águas do baptistério. Mas a sua fé-de-leite ainda se degladia com a velha natureza. Os sábados em que troca os amigos do tuning pelos programas da União Feminina são uma árdua prova de amor.
Na igreja as pessoas gostam de ver o Alberto. Oram pedindo a Deus que ele se mantenha religiosamente ordeiro. Não querem que a sua Dina se perca com um malandro qualquer. Foi provavelmente à custa de tanta prece que o esforçado rapaz conseguiu travar o vício do tabaco. A nova lei mosaica que a casta namorada lhe impõe só condescende com dois cigarros por dia. Quando saem à sexta à noite, três.
Desconhecemos o futuro do Alberto e da Dina. Pertence à agenda divina. Apenas nos ocupamos com o relato literariamente exagerado de uma história real. O amor pode ser um dramático projecto evangelístico. Quem tem coração para sentir, sinta.
Tiago de Oliveira Cavaco