sexta-feira, fevereiro 20, 2004

Amor, a quanto obrigas
Deus é amor. A sua essência é o amor. É o amor que O define.
O amor é entrega, uma dádiva. O amor é livre. É uma entrega voluntária que não exige nada em troca. O amor é por definição imerecido. No momento em que tentamos merecer o amor de alguém, este transforma-se numa troca, num pagamento. Ninguém pode ser obrigado a amar alguém, e ninguém consegue amar sendo obrigado. A liberdade da entrega, da dádiva do amor, é intrínseca à natureza do acto de amar. Na ausência dessa liberdade, o amor extingue-se, não existe, não é.
Assim, como poderemos nós amar se não formos livres para não o fazer? Como poderíamos entregar-nos, se estivéssemos entregues? Como poderíamos nós dar algo que não fosse nosso? Como nos poderíamos dar se não nos tivéssemos, se não pudéssemos mesmo dizer que não? O amor não existe se o não não for uma opção.
De todas as mensagens na Bíblia, nenhuma é tão clara como da primazia do amor. Quando perguntaram a Jesus qual era o mandamento mais importante, Jesus não disse que eram todos. Antes, falou com a autoridade e a sabedoria que só poderia ter quem tivesse partilhado com o Pai a intenção da criação. A sua resposta foi pronta e directa: o mais importante é o amor a Deus, em primeiro lugar, e o amor ao próximo. Penso que ao responder desta forma, Jesus deixou claro que se tivéssemos de esquecer toda a doutrina (toda a lei), e toda a ética (todas as regras) e reter apenas um ensinamento, seria este. Neste princípio se concentra toda a intenção da criação, e neste princípio se define a nossa humanidade. Fomos criados para amar. Para experimentar relações de amor com o Deus criador, primeiramente, e com os nossos semelhantes. A incapacidade de amar, de nos entregarmos relacionalmente, expõe a nossa queda e a nossa desumanização. Ser humano é ser amante.
Mas para podermos amar temos de ser livres de não o fazer. Para sermos humanos, temos de ser livres de não o ser. A liberdade é intrínseca à criação. Por isso Deus nos deixa não o ver. Por isso Deus se esconde até ao momento em que lhe dizemos que o queremos ver. Tal como as delícias do amor são reservadas aos amantes, as delícias do conhecimento de Deus são reservadas aos que Lhe pedem para O conhecer. Quando perguntavam a Jesus porque falava em parábolas, Jesus desconcertava a uns e esclarecia a outros. Repetia as palavras dos profetas: “muitos ouvindo, não ouvem e vendo, não vêm”, e explicava que os mistérios do reino estão reservados apenas aqueles que querem fazer parte do reino: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Na parábola do filho pródigo, Jesus explicou que o Pai de facto deixa o filho ir embora, se este quiser. Ninguém pertence à casa do pai sem escolher pertencer, porque a isso obriga o amor.
E o grande amor é este: que Deus nos amou primeiro.
Tiago Branco