Prédicas para os esfomeados
Apesar de Jesus praticar muitos milagres, os seus sermões não mataram a fome aos ouvintes. O Mestre tinha de apelar à criatividade dos discípulos para suprir o apetite da congregação. As palavras nunca satisfizeram estômagos.
Os evangélicos, historicamente habituados ao convívio com cada centímetro das Escrituras, carecem de reaprender o valor da Palavra. A primeira lição será entender que a revelação de Deus não é, em si, divina. E, que com tamanha ousadia em querer emendar o soneto, reconhecer que reduzir a nossa relação com a Boa Nova a um curso técnico intensivo é uma grande asneira. Não se pode falar do plano do Criador para o Homem como quem vende um aspirador super-sónico.
É frequente ouvirmos a expressão de que a Bíblia é o "manual de instruções". Ela é nos nossos dias infeliz. E os discípulos sempre foram especialistas rançosos. A sua assertividade titubeante, a sua convicção gelatinosa. Melhoraram substancialmente na ausência física de Jesus. Mas nunca se limitaram a ser delegados comerciais do evangelho com comissões chorudas.
Quando nos convencemos que a transmissão da fé depende da visibilidade da nossa opinião pública e dos decibéis dos nossos serviços de culto ficamos longe de compreender o estado das coisas. Nesta palestra inesperada o prelector fala uma língua diferente do auditório. Não há como evitá-lo. A conversão não é o dialecto do senso comum. O que de melhor se arranja como tradutor é o Espírito Santo. Paulo diz-nos no oitavo capítulo de Romanos qual o método de interpretar que está em causa. Interceder "por nós com gemidos inexprimíveis".
Tiago de Oliveira Cavaco