O ofício que deve inspirar o Presidente
Nas últimas eleições presidenciais votei Sampaio. Eram tempos de ainda maior ignorância política minha que os de hoje. Na adolescência tinha metido na cabeça que era de esquerda e os anos do cavaquismo eram inspiração fácil para quem tinha de fazer letras para a sua banda de punk rock. Recordo-me de umas declarações infelizes deste Presidente da República a uma televisão britânica, como que se desculpando pelo país que representa manter uma lei tão “conservadora” em relação ao aborto. Não gostei nada. Juntamente com umas leituras mais abençoadas e o sereno abandonar dos vigores da puberdade consegui perder a mania de ser de esquerda. Até aqui me ajudou o Senhor.
Na semana passada ouvi parte da conferência de imprensa que Bush e Blair deram no jardim da Casa Branca. Existe efectivamente um oceano a separar o nosso PR do PR americano. Apontem-se algumas diferenças substanciais.
O PR dos EUs fala como um pregador: uma tendência para moralizar, uma excessiva simplificação da linguagem, um optimismo a raiar o infantil, uma ameaça de paternalismo. O PR de Portugal fala como um professor do ensino secundário: ignorância disfarçada de cultura geral, pavor de enfrentar conflitos, ideias banais sob fases rebuscadas, um egoísmo dessimulado.
A igreja é tão necessária quanto o liceu. As aulas de Filosofia e a Escola Bíblica Dominical. Chumbar por faltas e adiar a data do baptismo. Estudar na véspera e entregar o dízimo. A tinta que escreve “aprovado” e um “aleluia” altissonante. Todos diferentes, todos iguais.
A terra a quem a trabalha, o púlpito a quem prega, a aula a quem ensina? Não necessariamente. A graça é sempre mais visível no deslize, na ausência de formação profissional, no defeito de fabrico. Só o imbecil se impacienta e não perdoa. Sem perder o respeito por todos os professores do ensino secundário e pregadores que conheço (a minha família é abundante nas duas classes) sugiro outra inspiração para o cargo de Presidente da República. Aproveito e até espiritualizo, que não é meu hábito. A do carpinteiro. Tal como o Senhor Jesus. Ao menos é uma profissão que assume os pregos.
Tiago de Oliveira Cavaco