História aos quadradinhos
Ele espreguiça-se na cama. Braços esticados e boca aberta. Os cabelos compridos, em desalinho, são quase iguais ao do músico que, na parede, brande uma guitarra eléctrica. O rádio-despertador vai berrando as nove horas. Uma viola usada descansa contra os lençóis.
Ela termina a arrumação do quarto. Ajeita as almofadas de croché na cama metálica. Tudo está agora no seu lugar. Na mesinha de cabeceira, com o candeeiro de franjas em cima do naperon impecavelmente esticado, o relógio marca nove e cinco. Está dentro da hora. Já enverga o vestido domingueiro, com três botões à frente e colarinho debruado. O carrapito está feito e os óculos limpos.
Ele conversa com dois amigos no café. Gestos exuberantes, poses displicentes, risos. Começam agora os vinte anos. Na mesa vão ficando esquecidos dois cafés, outras tantas fatias de bolo, e um copo de sumo.
Ela toma o pequeno-almoço na cozinha. A ementa é a mesma desde há anos: uma chávena de café/cevada e um pedaço de pão. O gato dorme no tapete, a torneira do lava-louça não pinga, e a jarra, no centro da mesa, exibe as flores compradas na praça. A toalha é a dos domingos e dias de festa.
Ele acelera a mota na avenida com árvores. O blusão está fechado no peito, e os cabelos, com o vento, fogem do capacete.
Ela caminha no passeio. Sem pressa. A mala na mão, antiquada. De um lado os prédios, do outro a estrada. Passa um carro. Ela tenta reconhecer o condutor.
Encontram-se os dois à entrada do edifício da igreja. Sorriem. Ele põe-lhe a mão no ombro e diz:
- Bom dia, irmã.
Ela retribui, generosa:
- Bom dia, irmão.
(colaboração de Jorge Viegas)
Pedro Leal