sexta-feira, janeiro 16, 2004

O folheto, deixado junto à caixa Multibanco, fala de salvação. Cita, destacadas ao centro, as palavras do Apóstolo Paulo aos Romanos: “A salvação é uma dádiva gratuita de Deus.”
Pego nele, enquanto a máquina processa a quantia pedida, e reparo, então, nas letras vermelhas ao fundo da página: “Venha recebê-la”. Abro o folheto e, já sem surpresa, descubro a publicidade aos cultos, vários em número e em finalidade, onde a Igreja Universal do Reino de Deus disponibiliza a salvação.
Sem surpresa, porque a contradição evidente entre a frase de Paulo e o apelo rubro, mais abaixo, demonstra, desde logo, a deturpação da doutrina bíblica. A gratuitidade da salvação não tem só a ver com o preço, seja em dinheiro, sofrimento ou cumprimento de rituais. Ela implica também que não existam lugares ou pessoas com poderes especiais na sua administração. Segundo o Novo Testamento, a salvação é um assunto a ser tratado unicamente entre cada ser humano e Deus. Não “se vai receber”. Não espera por nós na mão de um qualquer intermediário. Aceita-se. Ou rejeita-se. Nada mais.
Enquanto percorro o caminho de regresso, o dinheiro já guardado na carteira, vou pensando no folheto, e em como estas denominadas “novas seitas” usam, afinal, falácias tão antigas. Muda-se o cenário, muda-se o ritmo, e até, como neste caso, o sotaque. E o sinal indicando o caminho errado, velho de muitos séculos, lá continua, perigosamente disponível.
Pedro Leal