sexta-feira, janeiro 16, 2004

Confesso que, ao longo da vida, já escrevi e já falei sobre temas que não domino completamente. A terrível dificuldade em dizer “não” ou a pressão do argumento do tipo “se sabes tratar dum assunto sabes tratar de todos”, têm sido muitas vezes suficientes para cometer essa desonestidade intelectual. No entanto, se há coisa que não me imagino a fazer é entradas para um qualquer dicionário ou enciclopédia, manifestos acalorados ou mesmo cartas de intenções elaboradas e programáticas. Ou seja, prezo de mais a palavra e o pensamento, para o reduzir a um conjunto de afirmações vazias e, na maior parte das vezes, inconsequente.
O que pretendo é olhar para mim próprio como um mero cidadão, que vive e convive com outros cidadãos. Duvido cada vez mais da genialidade e começo a acreditar que o mundo à nossa volta é uma mera construção do marketing. Se JPP significa José Pacheco Pereira, João Pedro Pais, ou um qualquer Joaquim Paulo Patrício, depende muito de quem o lê: do seu mundo, das suas sensibilidades, mais do que tudo, da forma como o deseja interpretar. Certamente que nunca antes na história da humanidade andaram tantas palavras a circular pelo mundo. O que me interrogo é sobre o seu real valor e relevância. Já dizia o velho Sören que “não há falta de informação em terras cristãs; alguma coisa mais está a faltar e isto é que o homem não pode comunicar directamente com o seu semelhante”.
Para mim, não há livro mais genial que a Bíblia. Não estou a falar de estilos, de erudição ou de cientificidade. Disso podemos falar mais tarde! Estou apenas a falar da Palavra. Quando me abeiro da Bíblia fico com uma terrível sensação de humanidade, incapacidade, pequenez. Perante homens que foram agricultores, pastores, pescadores; outros foram sacerdotes, reis, mestres, doutores, é certo. Porém, perante a Palavra sentimo-nos esmagados e reduzidos. Tenho cada vez mais dificuldades em perceber exactamente o que está por trás daqueles que tudo sabem, que para tudo encontram uma explicação. Porém, também olho com um certo lamento para os que na Bíblia só encontram problemas, contradições e falhas. Por aí se diz que o que é trivial não é relevante. Talvez tenham razão!
Será que a Bíblia é um livro para o século XXI? Esta é a pergunta que incrédulos e crentes dos nossos dias colocam preocupadamente sem perceber a fragilidade e a relatividade da entidade tempo. Pensando ser contemporâneos e actualizados caem precisamente no erro de reduzir a Palavra a uma dimensão temporal. Sem compreender que a História nem sempre foi assim, nem sempre foi tão controlada e estruturada pelo tempo, como hoje o é. Não que a cronologia não seja importante, mas não é certamente determinante nem se sobrepõe ao facto histórico em si. Assim, a relevância da Bíblia não pode ser consignada exclusivamente ao teor da sua própria letra ou mesmo às interpretações mais imediatistas que lhe são dirigidas. Seria demasiado redutor.
Os demasiado longos anos de “leitura silenciosa das Escrituras”, desde o século XVIII, têm-nos tornado excessivamente cautelosos em relação aos verdadeiros objectivos de Deus ao entregar este inestimável património a toda a humanidade, que é a Bíblia. Torne Deus a Palavra grandiosa e penetrante em todas as suas dimensões e que sejam as nossa palavras cada vez mais insignificantes e irrelevantes, afinal meras leituras apócrifas das Escrituras.
Timóteo Cavaco