sexta-feira, abril 30, 2004

[Sem título]
O apóstolo Paulo era um viajante e não um caixeiro-viajante. Não percorria terras a promover qualquer miraculosa Água da Vida. “Promoção” nunca faria jus aos actos do apóstolo. Disto deviam consciencializar-se determinados comerciantes ao citar Paulo em pregões decorados.
Teoricamente, platonicamente, toda a gente sabe que o Evangelho não é um produto que se comercialize. Estrategicamente, pragmaticamente, são muito poucos a absterem-se do reclamo espiritualóide. Os convertidos sentem uma dívida de gratidão que os constrange a ser conversores. Sendo detentores do maravilhoso fim os meios são bênção compartilhada. Não há maquiavelismos, conceito ingrato. Não há nas suas (nossas) cabeças.
Pouco me escandaliza a noção estratégica da evangelização. O Espírito certamente iluminará os contritos e humildes mensageiros preparados. A Grande Comissão que Cristo nos encomendou está ao alcance dos atentos e devotos, mas por que espírito vão ser esses iluminados ao aperaltarem-se para o ofício de “delegados de propaganda religiosa”?
O “Ide” é uma ordem clara, o irmos é uma tarefa óbvia. O “Ide” é uma ordem divina, o irmos é demasiado humano. Das recomendações de Jesus não deveriam resultar tarefeiros desonestos, como se fosse possível não corromper uma acção que depende de homens e mulheres. A solução é axiomática: fazê-la depender de Deus.
Ao tratarmos a mensagem divina apenas como um produto essencial ao bem comum estamos a afogarmo-nos em altruísmo corrompido. As boas intenções nunca foram o altar sacrificial que purifica as nossas estratégias. Maquiavélicos nunca! - no senso comum isso é sinónimo de malévolos. É conceito ingrato mas ouso dispará-lo.
O vendedor não dúvida do seu produto. O crente explica o Evangelho como infalível; não importa se há aquela interrogação teológica que o assalta todas as noites, se não consegue dormir a pensar na vontade de Deus, se desconhece o poder da oração. Os problemas materiais são esquecidos e anulados para efeitos de diálogo. Na explanação da sua Fé veste uma capa de infalibilidade que ofusca o receptor. Ofusca-se a si próprio. A capa é escarlata.
O convite é a despirmo-nos e não a vestirmo-nos. A armadura que o Apóstolo Paulo nos convoca a colocar (Efésios 6) não cabe por cima desse fato imaginário com que nos mascaramos de vendedores. Se percorro a analogia, então será ao testemunhar que vamos estar mais vulneráveis. A tentação não nos induz apenas a fazer o mal, também nos leva a fazer o bem incorrectamente. Repito pouco me escandalizar a noção estratégica de evangelização; o problema muitas vezes não é trazer truques na manga, é trazer mangas.
Evitem dar-me ouvidos se entendem que rogo uma limitação das acções evangelísticas. Evitem prestar atenção se acham que só trago críticas e nenhuma solução. Dêem-me ouvidos e prestem-me atenção agora: há, sim, que manter a acção evangelístca; a solução é axiomática: fazê-la depender de Deus.
Samuel Úria