Mensagem e Obra
Várias intervenções recentes em torno da questão do aborto e do filme "A Paixão de Cristo", que estreou ontem em Portugal, vieram chamar a atenção para a distinção que muitas vezes se pretende fazer entre a mensagem e a obra de Cristo.
Para o cristão as duas partes estão profunda e coerentemente ligadas. A mensagem aponta para a obra, e a obra apresenta-se como o cumprimento e a certificação da mensagem. Mas para os que reconhecem Jesus apenas como mais um "homem bom", ou mestre, ou profeta, torna-se preferível separar os dois elementos. Repare-se como quase toda a gente tem algo de positivo a dizer sobre a mensagem de Cristo. Desde o extremista de esquerda ao militante ultra-nacionalista, desde o ateu ao fanático muçulmano, todos encontram nas palavras de Jesus afirmações e intenções que subscrevem. No entanto, quanto se trata da obra, a atitude que prevalece é a rejeição. Seja ela deliberada, negando a realidade ou a validade da morte e ressurreição do Filho de Deus. Seja implícita, desvalorizando, ou esquecendo mesmo, as implicações da crucificação e do túmulo vazio.
Percebe-se o motivo desta divisão. A mensagem pode ser truncada, relativizada, interpretada em incontáveis perspectivas históricas, convertida em metáforas ou espiritualizada. Enquanto a obra, acto único, definitivamente localizado no tempo e no espaço, não permitindo, por isso, o mesmo tipo de modelações, confronta-nos com apenas duas respostas possíveis: sim ou não. E é esta clareza (ou crueza, segundo outras opiniões) que incomoda. Por certo, agrada mais seleccionar as palavras de Jesus que corroborem os nossos pontos de vista. Ou dizer que Ele veio mostrar o caminho, e depois seguir na direcção que mais nos interessa. Ou, ainda, colocá-Lo de reserva para as urgências que espreitam o dia-a-dia. Aceitá-Lo como Senhor e Salvador, consequência lógica da Sua pregação, morte e ressurreição, e único acesso ao Pai, exige um outro tipo de atitude. Exige compreender a mensagem e aceitar a obra. Exige um compromisso total.
Não surpreende, pois, que se pretenda separar o que está umbilicalmente ligado. Na era dos produtos "light", uma versão menos exigente e mais "amigável" da Boa Nova tem sucesso garantido. Aos discípulos de Jesus Cristo cabe, no entanto, a responsabilidade de denunciar o engano e contrapor a versão completa e eficaz. O Evangelho das palavras e dos actos, "que é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê" (Romanos 1:16).
Pedro Leal