sexta-feira, março 05, 2004

As asneiras dos profetas
Na minha classe de Escola Bíblica Dominical vamos começar a estudar a oração do Pai Nosso a partir de uma reflexão de Martinho Lutero. Não de Phil Yancey. Não de John Stott. Não de C.S. Lewis. Não de Ricardo Gondim. Do padre desavindo. Do autor de algumas frases nada gentis sobre os judeus. Do leitor amedrontado da epístola de Tiago. Do fundador relutante daquilo a que algo candidamente se veio chamar a Reforma Protestante.
Na adolescência admirei o monge alemão como se fosse um Che Guevara divinamente aspergido. Faziam-me falta posters no quarto. À medida que a parede se voltou a despir passei a compreender as asneiras dos profetas.
O campeonato das beatitudes é tentador. O crente actualizado, atafulhado consumidor do merchandising evangélico, escorrega na sua humanidade. Confunde a nova criatura com as mutações dos bichos da seda da caixa de cartão infantil. O esquema é macio ao toque mas cruel. Quem não exibir umas asas lustrosas dificilmente será contado nas páginas do Livro da Vida. Quem se converte corta o hábito de rastejar. As larvas tornam-se uma memória para esquecer na eficaz teologia instantânea-em-pó.
O nosso país tem conhecido um par de recém-convertidas mediáticas. A festa que se segue é previsível. Espremidas no envolvente circuito eclesiástico, cedo se tornam bandeiras para a causa missionária. Dá-se-lhes uma importância desmedida e exagerada. Como se fosse preferível que todos aparecêssemos nas revistas. Ao mais inocente desvio do santificado padrão, a classe piedosa apoquenta-se: onde foi parar a fé de outrora? Torna-se nítido que a jóia da coroa só valia enquanto representava a classe, o símbolo corporativo de ser evangélico. A pessoa é sempre descartável.
Há inúmeras vantagens em conhecer os podres do Lutero quando me preparo para o estudar. Coloco o emissário no seu devido lugar. Não o confundo com a mensagem. A finalidade da fé não é a sugestão de um estilo bem sucedido. De uma causa pura para as multidões. Isso é conversa de comunista. A religião verdadeira trata da salvação da alma. A pessoa não é descartável.
No final dos anos setenta os evangélicos americanos pularam de alegria ao saber da fresquíssima condição de nascido de novo de Bob Dylan. O tempo passou e o cantor deixou-se de sermões nos seus discos. Hoje a sua condição religiosa é um constragimento para os crentes. É óbvio que nunca ninguém quis saber do pobre Bob para nada. Interessava sim embandeirar em arco que a ilustre voz de uma geração estava do nosso lado. Isto não é evangelho. É a mais rasteira propaganda. Enquanto for este o produto à venda nas nossas igrejas eu estarei atrás do balcão de reclamações do consumidor. A ler a “Explicação do Pai Nosso” do truculento Martinho.
Tiago de Oliveira Cavaco