sexta-feira, janeiro 30, 2004

[Sem título]
Durante três anos o Paresh foi meu colega. Nascera em Moçambique, descendente de indianos, e viera para Portugal, ainda adolescente, quando os pais decidiram arriscar por cá uma vida melhor. Era hindu. Mas sobre a sua religião raramente falávamos. Quando tal acontecia, o pretexto vinha, quase sempre, das festas religiosas que o obrigavam a faltar às aulas.
No entanto, uma tarde a conversa foi mais longe. O Papa estivera em Fátima havia poucos dias. E, falando do assunto, o Paresh informou-me que também fora, com a família, em peregrinação ao Santuário da Cova da Iria. Fiquei surpreendido. Mostrei o meu espanto, e expliquei-lhe. Um hindu a participar numa celebração católica? Didáctico e paciente, ele desmontou a aparente contradição. Se o Hinduísmo é politeísta, abrigando milhões e milhões de deuses, que habitam inúmeros lugares e seres; se a Índia está lá tão longe, com os seus santuários e os seus rios sagrados; então porque não aproveitar este lugar “espiritual” aqui mais perto? O que importa, dizia o Paresh, é exercitar a espiritualidade, e assim estar de bem consigo e com o Universo.
A coerência destas palavras fizeram-me aceitar a resposta. Ele acreditava, e agia em conformidade.
Também, quanto a Fátima, parecia perfeito o encaixe no enredo. Qual a diferença entre uma vela acesa à santa ou a um deus com seis braços?
Restava eu.
Naquela história, que decorrera pacífica e tolerante, ofereciam-me, agora, um papel agradável. Para rematar o final feliz, esperavam o aceno concordante e a frase bonita acerca da fraternidade humana. Contudo, surgia de novo a coerência. A minha, desta vez,
O que significavam, para mim, as palavras de Cristo: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”?
Apesar de quase a medo, e usando vários apartes justificativos, optei pela fidelidade ao Filho de Deus. E constatei, talvez pela primeira vez, que o papel de “mau da fita” me assentava muitíssimo bem.
Pedro Leal