sexta-feira, janeiro 30, 2004

[Sem título]
Cada vez acredito menos em revoluções. Reconheço que uma afirmação deste teor pode ser considerada de um reaccionarismo primário, o que efectivamente está longe de reproduzir com justeza o meu pensamento relativamente a esta matéria. A verdade é que ao passar ao de leve, é certo, pelas grandes revoluções da humanidade não consigo deixar de me interrogar sobre as mais profundas motivações que as antecederam e as consequências práticas da sua concretização. Fica-me a pergunta, sem uma resposta clara, admito, se melhor não teria sido o progresso e a transformação, ao invés da ruptura e do corte.
Mais do que colocar dois paradigmas em confronto – o revolucionário e o reformista – esta minha dúvida começa por advir da observação da natureza e, depois, dos próprios comportamentos humanos e sociais. A dúvida, com o seu quê de metódico, transforma-se em múltiplas outras questões, enroladas e amalgamadas, de forma pouco metódica, reconheço.
Comecemos por olhar para a natureza, falo agora dos seres vivos, desde os menos complexos aos mais complexos. Falo agora da existência irracional ou inconsciente; toda aquela imensa fatia da criação para quem a História não passará certamente de uma inevitabilidade, a qual nem sequer observável lhes é, por critérios de sistematização. Dado que o cão foi provavelmente o animal que mais se socializou, sob o ponto de vista da sua relação com o Homem, poderíamos dizer que toda a natureza tem “vida de cão”. Cumprir, afinal, um propósito que deve estar nos genes de cada um. Mas é aqui que me vêm à mente as palavras de Jesus: “Olhem para as aves do céu que não semeiam, nem colhem, nem amontoam grão nos celeiros. […] Reparem como crescem os lírios do campo! E eles não trabalham nem fiam!” Com maior ou menor violência a natureza lá vai cumprindo o seu propósito e mostrando-nos que a vida também é possível sem grande imaginação e afã. Ou será isto simplesmente dependência de Deus? Pura lã de ovelhas que não encolhe, vacas que dão mais leite, frangos que crescem mais depressa, flores mais bonitas e milho que alimenta mais são feitos certamente notáveis. É a natureza a intervir na natureza, para o benefício comum, na maior parte dos casos. Não me apetece agora falar nas inúmeras vezes que a natureza inflige pesados danos à natureza, a chega mesmo a destruir. Mas, a questão é saber se ainda conseguimos ver a mão de Deus na natureza, ou se isso não passa de uma boa explicação para o que não conseguimos explicar, à boa maneira da teologia newtoniana!
E que dizer do ser humano, o ente mais complexo da criação? A verdade é que se torna numa regra quase universal: quanto mais violentos são os meios pelos quais um regime se impõe, mais rápida ou mais dramaticamente esse regime se tornará redundante. Não falo apenas da política, mas de todos os regimes de vivência social. Ignorar a história, o passado comum e a experiência mesmo atemporal de qualquer grupo social é ignorar a natureza duma matriz comum que nos une e que reflecte algo de inefável que, por definição, não podemos explicar.
Esta inevitabilidade, que para alguns poderá parecer demasiado kantiana ou até mesmo naïf, não tem que levar necessariamente à inacção. No entanto, também tenho certamente o direito de me interrogar sobre onde estão e o que andam a fazer os grandes revolucionários deste nosso mundo. Parece que não os vejo! Será que também eles sucumbiram à natureza mais intrínseca das coisas?
Timóteo Cavaco