sexta-feira, janeiro 30, 2004

A dor do homem
"A dor é o megafone de Deus", C.S. Lewis

Transtornado, o homem esbraceja, gritando "Onde está Deus, Onde está Deus?", em frente ao caixão de Feher
Puxando do cigarro, o colega da escola diz-me "Se Deus existe porque é que há guerras, fome e crianças que são violadas?"
No café, o homem gordo com um copo de tinto na mão, diz "Não acredito em Deus. Eu estive no Seminário quando era puto e os padres são os piores."
A noção religiosa daqueles que esperam unicamente de Deus o milagre, a alteração às regras naturais do jogo da vida, é infeliz. A única coisa certa na vida, costuma-se dizer, é a morte. Tanto se reclama com Deus por um rapaz de 24 anos morrer, como também pelo nascimento de Hitler ou por não "levar" o doente terminal em sofrimento. Deus move-se no meio da vida.
O que dói acontece por nossa culpa ou por culpa de outrem. Imputar a Deus as desgraças da convivência humana, como guerras, fomes, tragédias ou as crianças que são violentadas, é, mais uma vez, uma noção religiosa infeliz. O livre arbítrio, a vontade, faz parte, como a morte, das regras naturais da vida. As guerras nascem da cobiça; as fomes da sobrepopulação e da falta de recursos materiais das sociedades; a terra treme, as cheias acontecem e os vulcões explodem, tal como os homens decidem viver aqui ou ali; a criança é violentada por alguém que o decidiu fazer, num acto de simples vontade humana.
Os que optam pelo deus representado por sacerdotes têm também uma religião infeliz. Responsabilizar um clero, delegar numa equipa de profissionais, passar essa espécie de procuração espiritual a alguém, não está contido nas palavras de Jesus. De certo modo, estas pessoas compram o agênciamento das possibilidades da sua vida espiritual à Igreja Católica, ou a outra qualquer, na expectativa de ver a sua responsabilidade perante Deus mais leve. E, quando um homem falha, seja padre ou pastor evangélico, então o produto que se comprou está estragado e deita-se fora, como um qualquer electrodoméstico avariado.
Jesus veio confirmar-nos a vida que para muitos está esquecida. A grande ferida do Homem é o medo da própria vida. Ao pôr-nos a mão no ombro numa atitude de conforto, ao aceitar o nosso choro e gemidos como naturais, ao disponibilizar-se para caminhar connosco dia-a-dia , Deus, na figura de Jesus, está-nos a dizer
- Calma! É natural que te sintas mal, com uma dor imensa e sem perceberes o que está a acontecer.
e, ao dizer-nos isto, Ele diz também que tudo isso é natural e faz parte da vida. As lágrimas e o riso, a dor e o prazer, surgem porque essa é a condição de se ter um coração que bate. Deus dá-nos, no entanto, esta prenda fenomenal, que é ir-nos soprando esperança, amor e soluções, ao coração. Diz-nos, através da fé, onde virar, parar ou mesmo voltar atrás. E tudo, mas mesmo tudo, contribui para que O possamos viver cada vez mais.
Esta é a loucura do cristianismo perante o Homem. E é pena.
João Leal