sexta-feira, janeiro 16, 2004

Como aprendiz de intelectual que sou, acerco-me de vários livros. O sono tenta-me no meio da leitura. Insisto. Acabo por adormecer. Vozes ao fundo. Falam-me do falhanço do projecto da igreja. Tento reagir. Por saber que dentro dela dificilmente se sobrevive, sempre soube que fora dela seria o pior lugar para estar. Recupero forças através dos meus legalismos dominicais. Sou um crente no sistema. O sistema é podre. O sistema é honesto.
Agora apenas uma voz. Fala de projectos. De visões para insuflar a comunidade falida. Arrepio-me. Reavivamentos e células. Contra o evangelho da eficácia riposto com a eficácia do evangelho.
Mas o som sibilino volta a investir. Confronta-me com estastísticas que indicam que os crentes atribuem cada vez menos valor aos procedimentos institucionais. O que interessa é o espírito. Acerco-me do meu escudo contra místicos-fervorosos-em-Peugeots-206 e demais espécies demoníacas. O conflito intensifica-se. Revolvo-me na cadeira. Caem ao chão dois volumes do C.S Lewis e o Guia Para Escapar A Evangélicos Obcecados Por Tolkien. Acordo.
Suspiro. Apercebo-me que foi um sonho. Repentinamente, um espectro esgueira-se para trás da estante. É o Mafarrico que julgara ser apenas domíno da vigília! Dentro da minha esconsa cela, procuro alcançar o tinteiro e atirá-lo à satânica cabeça. Acerto em cheio. O Tentador bate em retirada. Volto aos livros. Ele acabará por voltar.

Nota: Não confundir os eventos aqui relatados pelo autor com os do velho monge alemão. Já agora: Martinho Lutero nunca desejou deixar de ser católico. Não nos lamentemos. Em breve os protestantes desembaraçar-se-iam de ilusões lascivas acerca de cândidas renovações eclesiásticas.
Tiago de Oliveira Cavaco