Major Alveja
Philip Yancey no seu último livro “In His Image”, fala do fascínio que as mulheres londrinas sentiam pelos pilotos da RAF (Royal Air Force), durante a 2º Guerra Mundial. Alguns confrontos aéreos podiam ver-se do chão. Os ágeis Spitfires, contra os poderosos bombardeiros alemães. O Major Alveja contra Hans. Até que a Alemanha não aguentou mais as baixas causadas pela precisão e determinação dos pilotos Ingleses. Numa frase lapidar típica, Winston Churchill resumiu assim a gratidão do povo de Londres: “em toda a história do conflito humano, nunca tantos deveram tanto, a tão poucos”. Depois da guerra quando os Majores Alvejas, de Inglaterra passeavam por Londres, nos seus uniformes cobertos de medalhas, as pessoas tratavam-nos como deuses.
Os Spitfires tinham todavia um problema. O único motor era montado na frente, a escassos 30cm da cabina do piloto, e os tubos de combustível passavam por cima da cabeça do piloto. Sendo atingidos, a cabina transformava-se numa bola de fogo. Nos 2 ou 3 segundos que o piloto levava para se ejectar, o calor derretia-lhe partes do rosto, o nariz, as pálpebras, os lábios, as bochechas, etc. Isto exigia uma operação plástica. Na realidade, exigia várias. Para as cirurgias faciais geralmente usavam-se enxertos de pele do abdómen ou do tórax. A operação era por fases. Primeiro, removia-se a faixa de pele com uma extremidade presa ao antigo fornecimento de sangue, enquanto a outra extremidade era ligada à área do rosto a enxertar, para que novos vasos crescessem para nutrir o enxerto. Por isso havia situações bizzaras de longas tiras de pele crescendo do nariz como se fossem trombas de elefante. Os Homens-elefante sujeitavam-se pacientemente a estes enfadonhos procedimentos cirúrgicos, monitorizando a evolução com os seus espelhos cromados. No entanto, à medida que as semanas de recuperação chegavam ao fim, os pilotos-pacientes deixavam de consultar o seu aspecto ao espelho. Apesar dos milagres da cirurgia plástica, havia danos irreparáveis. Embora fossem obras de arte restauradas, as faces de muitos eram apenas uma cicatriz. É impossível, reproduzir a flexibilidade transparente duma pálpebra. O tecido rígido cumpre a sua função de protecção do olho, mas não tem beleza. E o espelho de repente torna-se um carrasco. Longe do ambiente acolhedor da enfermaria, subsistirão os comentários maldosos da sociedade. Aí, ser-se-à apenas uma aberração. O espelho não mente. O medo causa arrepios. Muitos eram abandonados pelas suas mulheres e namoradas. Esses tornavam-se reclusos, vivendo ensimesmados e deprimidos. Outros eram aceites e celebrados. As suas companheiras ficavam firmes ao seu lado, e esses homens davam a volta por cima e foram extremamente bem-sucedidos. Esses homens, aprenderam um segredo: as suas mulheres eram os seus espelhos. Quando alguém desviava o olhar ou cruelmente zombava da sua aparência, eles olhavam para as suas esposas e namoradas que os encorajavam com um olhar de aceitação.
É dentro desta linha de pensamento que entra o “complexo do Quasímodo”, o corcunda de Notre-Dame, de Victor Hugo. De acordo com um estudo publicado na British Journal of Plastic Surgery, 20% das pessoas transportam deformações faciais (orelhas espetadas, nariz torto, marcas de acne). Mas o estudo revelou que na população presidiária 60% apresentam estas características. As conclusões são preocupantes. Certamente estas pessoas foram hostilizadas ou rejeitadas por parte dos colegas de escola, por causa das suas deformações. A crueldade das crianças terá levado a uma espiral de desequilíbrio emocional que culminaria em actos criminosos. O “complexo de Quasímodo” leva-nos a rotular as pessoas pela sua aparência física. “Olha o coxo!” “És mesmo cegueta!” E padronizamos a nossa receptividade, da mesma forma. Uma pessoa bonita, será obrigatoriamente, alta, magra, sorridente e com ar confiante. A “imagem correcta” vale tanto como o “politicamente correcto”.
Como cristãos temos de remar contra esta corrente tiranizante. O homem não é apenas um conjunto de tendões, músculos, vasos capilares, células nervosas e orgãos vitais. Ele é corpo e alma. A parte física do homem um dia volta ao húmus terreno. Mas a alma volta para Deus. E como cristãos, devemos ser espelhos. Espelhos, nos quais os outros vejam reflectida a imagem de Cristo. Espelhos, que possam reflectir a semelhança de Deus no espírito humano. Podemos ignorar e matar essa imagem de Deus em nós, ou podemos fazê-la brilhar. As mulheres de Aveiro preferem matar essa imagem de Deus. E alguém dirá: não está provado que o feto seja uma pessoa! E eu respondo: um caçador que atira a matar, na direcção duma restolhada que ele não sabe se foi provocada por um coelho ou por um companheiro, é sábio ou tolo?! Claro que é tolo! Na dúvida refreia-se a acção. Dêem aos fetos o benefício da dúvida! Não atirem a matar! “Se alguém derramar o sangue do homem, o seu sangue também deve ser derramado, porque Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Génesis 9:6).
Textos de apoio, “In His Image” de Philip Yancey + Paul Brand; “A Mind Awake” de C.S.Lewis
Samuel Nunes