sexta-feira, fevereiro 27, 2004

E a Virgem Maria Abortou Jesus!?
Maria estava assustada. Tudo se precipitara. Ainda sentia na pele o adejar do anjo que anunciava a gravidez. Ela, grávida! Como era possível! Ainda tentou argumentar com o tal de Gabriel: “mas, eu nunca tive relações sexuais! Estou noiva de José, mas nós nunca fizemos amor.” Depois o anjo disse-lhe para ficar descansada (como se isso fosse possível!): a sua gravidez tinha sido planeada. Planeada!? Não por ela! Muito menos por José, sempre tão correcto. A visita repentina à sua prima Isabel, tinha-a confortado bastante. Era a sua única confidente. Depois daquela subida até às montanhas, mal ela cumprimentou a prima, o seu filho começou a chutar contra as paredes do útero. Toda a aldeia falava do ventre curado de Isabel. Maria escondia o milagre que lhe acontecera. Já havia ensaios do coro tradicional das redondezas, para celebrar o nascimento de João. Maria meditava. Ponderava. Três meses passaram.
Qual a reacção dos seus pais? Sentiriam uma intensa vergonha social. A sua querida filha, já com a barriga a crescer durante o noivado. Só de pensar nisso Maria corava. O seu pai ostentaria uma fúria moral terrível, seguida daqueles longos silêncios sombrios. O gelo entre eles só iria derreter depois do nascimento do querido netinho. Aí voltaria uma frágil trégua familiar. Isto é ... se ela decidisse ir em frente com a gravidez.
E a reacção do José? Maria tinha ouvido dizer que ele ainda pensara deixá-la em segredo. Bem, à morte poderia escapar. Mas iria ficar na miséria. Sem emprego, sem futuro e sem recursos financeiros. Nem sequer um tostão para alimentar a boca que aí vinha. Isto é ... se ela levasse a gravidez por diante.
Ai, e a reacção das pessoas da aldeia? E as suas amigas? Num meio tão pequeno! Para todos os efeitos o pai da criança era desconhecido. Uma gravidez em circunstâncias tão ambíguas, com as explicações desajeitadas, os olhares furtivos, a acusação surda da marginalização. Não era justo. E, também não era justo trazer uma criança ao mundo assim ... Assim, desta forma tão pouco desejada. A sociedade seria cruel com este menino de paternidade estranha. Isto é ... se ela realmente tivesse coragem de ir até ao fim com a gravidez.
E o médico? Qual seria a sua reacção? Lembrava-se do seu carinho e paciência ao cuidar dela durante as doenças infantis. Estaria do seu lado, neste momento inesperado? Poderia explicar-lhe que a gravidez tinha sido por intervenção do Espírito Santo. Ele iria compreender. ... Pois, pois! Um homem de ciência, estava mesmo numa de aceitar grávidas por acção do Espírito Santo. Tásse memo a ver! O mais certo seria ele alertar as autoridades religiosas e judiciais, dizendo que era caso para tratamento psiquiátrico. E, todos iriam concluir, muito cientificamente, que ela não tinha estabilidade emocional para criar um filho. Ela conhecia a forma de operar daqueles saduceus e fariseus. Aliás, tinha de fazer uma nota mental, para avisar o seu futuro filho contra o veneno dessa gente. Isto é ... se chegasse a tê-lo.
Tanto desamparo. Decisões. Noites em claro. Embriões.
Estranho! Parece que ... Apetecia-lhe ... Sim! Apetecia-lhe cantar.
O meu Espírito se alegra em Deus meu Salvador,
Porque atentou na humildade da sua serva,
(os meus pais ficarão orgulhosos).
Deus me enche de bens, alimenta os famintos, despede vazios os ricos,
(o meu marido não me abandonará!).
O meu Deus se levantou, os soberbos dispersou
(a sociedade não me desprezará).
O Todo–poderoso me fez grandes coisas, para Ele não há impossíveis
(não, não estou louca!).
Ah Senhor, eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua vontade.
Do meu ventre, não sou dona! Este filho terei, ao Senhor o consagrarei!


(textos: Mateus 1:18-19; Lucas 1:26-56)
Samuel Nunes