sexta-feira, junho 25, 2004

A Pausa
Tenho saudades do Daniel Day-Lewis. Quem? Dirão alguns mais distraídos. Daniel Day-Lewis, de "o meu pé esquerdo", "a insustentável leveza do ser" - que me fez apaixonar pela Juliette Binoche e por Praga, cidade das misteriosas pontes e das orquestras na rua - "o boxer", e "o último dos moicanos". Neste, há uma cena luminosa logo a abrir. Daniel Day-lewis corre por entre as árvores da floresta com mais dois companheiros índios, na perseguição dum alce. A adrenalina corre com a emoção da caçada, a música cresce de intensidade e a velocidade acelerada pelos efeitos especiais é contagiante. DDLewis pára. Faz pontaria. Dispara. A velocidade cai. O filme passa à câmara lenta. A música entra em travagem abrupta. O alce é abatido. Os três índios chegam perto do animal ferido de morte e prestam-lhe uma última homenagem. "Respeitamos muito a sua coragem, velocidade e força" diz o mais velho de joelhos, respeitosamente. Nenhum deles ri ou mostra sinais exteriores de vitória. Pelo contrário, até há uma lágrima furtiva que rola pela face dum dos índios.
Vejo aqui uma imagem perfeita da nossa vida espiritual. Como corremos! Como caçamos! Como atiramos a matar - geralmente outros seres humanos! E, como nos felicitamos pelas vitórias sobre os outros. E se a "vítima" for um irmão em Cristo, ainda melhor. Pagamos cervejas a toda a gente! E, ninguém me diga que não é assim porque a negação será hipocrisia grave. Mas, sobre a matança em que alegremente nos envolvemos na Igreja, podemos falar depois. É tão habitual que já não cativa leitores. (a audiência nesta coisa dos blogues é essencial!) Deixo apenas uma nota de pausa. (kit-kat, em linguagem pagã; selah, em linguagem bíblica) Uma pausa visceral. Essencial. Uma desaceleração feita num repente instantâneo. Sem aviso e sem carta registada. Uma pausa para me aquietar das corridas desenfreadas que a minha existência exige. Uma pausa para deixar fluir a consciência de que uma vida caiu na arena. Uma pausa para aceitar que sou frágil e efémero. Uma pausa para reconhecer que a minha identidade inchada não se sustenta à base dos meus esforços. Uma pausa para ver que pertenço ao coração de Deus, e que será aí, sempre aí, que terei um lugar de refúgio. Uma pausa para engravidar a restauração de forças. Uma pausa para renovar a minha mente visionária, energia profética e determinação vocacional. Uma pausa para elogiar e acarinhar, a coragem, a velocidade e a força espiritual, do meu irmão em Cristo. Sem essa pausa ... não resistirei. Irei soçobrar. Naufragar. E me abominar.
Samuel Nunes