sexta-feira, junho 04, 2004

Paixão por Cristo
Sei do que falo. Sei-o como qualquer miúdo que aprende uns acordes de guitarra. Miúdo conhece miúda, miúdo apaixona-se por miúda. Miúdo pega na guitarra e escreve canções de amor. Fui um desses e sei do que falo, tenho a minha quantia de cantigas assim.
"Lamecha, a e s.m. FAM 1.Baboso, mimado. 2. Namorador ridículo."
O dicionário nada guarda de bom para a carapuça que me serviu. Já eu, obviamente, tento inocentar-me: "A César o que é de César, a Deus o que é de Deus", às namoradas o que é das namoradas.
A paixão apresenta-se uma coisa temível tanto que nunca estranhei de todo as analogias poéticas, magníficas ou corriqueiras, com a loucura. As "canções de amor" não são propriamente temíveis, mas no meio de um estado alterado há sempre doses de irrazoabilidade desmedidas. Com isto, e reassumindo o papel de miúdo que escrevia as cantigas, pouco quero exemplificar quanto à perigosidade das músicas lamechas, duvido que o sejam em demasia. A irrazoabilidade é intrínseca ao pseudo-poeta apaixonado, é essencial à relação trovador-musa.
Olho com desconfiança as vociferadas intimidades com Deus. Desde que penso nisso detesto quando o ideário romântico se mescla com o devocional. A filiação no Criador dá-me uma visão incestuosa de certas expressões a Ele endereçadas. Posso estar errado, mas o bardo meloso dentro de mim conhece muito bem a fogosidade e efemeridade das paixonetas onde a transcendência da expressão prevê uma validade extinguível. Conheço a irrazoabilidade.
"Amor" foi primeiramente um conceito divino. Já o humanizei para escrever músicas xaroposas. Com os mesmos acordes, mudando uma palavra ou outra, poderia cantar o que compus num período de louvor. A carne sacrificada aos ídolos, o mel sacrificado à musa, jamais deveriam servir de segunda refeição. Humanizar o amor, proferi-lo, dissecá-lo, não aproxima invariavelmente de Deus. Mais vale entregá-lo em sorrisos, porque é exigido, do que tecer exigências divinas para auto-satisfatoriamente o entregarmos.
Deus preenche o vazio e nós devolvemos para ficar ainda mais atestados, mas, nisto do Louvor devemos lembrar o exemplo de Caim e Abel: não interessa o que queremos dar a Deus, por muito enamorada que seja a intenção, interessa antes o que Ele pede.
Estou apaixonado mas não me conformo com a praxe da paixoneta adolescente. Em vez de melífluas declarações de amor três vezes repetidas pensarei no apascentar das ovelhas. A César o que é de César, a Deus o que é da namorada ou à namorada o que é de Deus? Não?O pedido na Bíblia é para "louvar com inteligência" e, bem o provam as minhas cantigas adolescentes, os apaixonados são todos uns palermas prazenteiros.
Samuel Úria