sexta-feira, junho 11, 2004

Nada a acrescentar
Gostaria de ouvir o Salmo 119 no original, sorver a musicalidade que lhe imagino. É um salmo enorme, em tamanho o maior, mas ainda assim lhe sorveria as palavras com mais gosto do que nas minhas entregas ao psicadelismo repetitivo e demorado dos Velvet Underground. Gosto dos Velvet, mas a Bíblia é a Bíblia e o Salmo 119 é um salmo enorme que fala da Bíblia.
Ocasionalmente abri nesse capítulo certo Domigo há muitos anos. Apreciava números ímpares e pedi à minha avó que lesse o versículo nove. Gabou-me a escolha e disse-o de cor. A explicação foi brinde. Talvez tenha aprendido o significado de "mancebo" nesse dia, mas da lição nada recordo. O mais certo era ter estado a ouvir a minha avó como o fazia com qualquer pessoa durante a infância: em completa distracção. É pena; perdi provavelmente o único estudo sobre esse capítulo que valia a pena.
Nos cultos hoje em dia, a minha concentração continua a receber parcimoniosamente as análises ao Salmo 119. Não é por gostar pouco ou achá-lo pobre, penso o exacto contrário. Detenho antes a ideia de que é extenso porque nada se pode acrescentar. É repetitivo em palavras e ideias para ser claro.
Quem gosta da Bíblia já a leu por completo. Quem gosta da Bíblia mas é preguiçoso já leu, pelo menos, o Salmo 119. Quem gosta do Salmo 119 não pode ser preguiçoso com a Bíblia.
Lá porque me apetece ouvir o entoar deste capítulo na língua original e pouco me apetece estudá-lo não quer dizer que ando à procura de experiências ascéticas em mantras ininteligíveis indeferindo uma racional devoção. Quero é não dizer mais nada sobre o salmo, quero que seja conclusivo. Quero, sobre o maior dos salmos, fazer o meu texto mais pequeno.
Samuel Úria