sexta-feira, maio 21, 2004

Olha que te cai o dentinho!
Um homem morre e vai para o céu. Lá é recebido pelo habitual São Pedro que lhe dá o habitual tour de boas-vindas. Logo, o recém chegado repara num velho amigo que tem agarrado à perna esquerda um exemplar da raça humana deveras feio e sujo. "O que é aquilo?" pergunta ao São Pedro, sem conseguir controlar o seu espanto diante do horror da cena. "Ah", diz São Pedro, "o seu amigo portou-se bastante mal lá na terra, e este é o seu castigo". Mais à frente o homem vê outro amigo, e agarrado a ele outra pessoa ainda mais feia, sebenta e porca. "Bem, o Manuel deve-se ter portado mesmo mal!" São Pedro assentiu. A lógica parecia que quanto mais pecaminosa a pessoa mais hedionda e suja era a criatura humana agarrada à laia de apêndice. Um pouco mais à frente o homem reconhece o Ferro Rodrigues, e agarrado a ele ... a Fernanda Serrano. "Puxa, o Ferro Rodrigues portou-se bem! Certo!" "Não, não" responde São Pedro. "É ao contrário, a Fernanda Serrano é que se portou muito, muito mal!"
Eu acho esta história deliciosa. Mais, acho este tipo de humor corrosivo um bálsamo. É uma forma dos crentes darem largas à sua irritação com certas figuras ridículas, sem as ofender. Porque afinal não podemos dizer mal do próximo, não é! Sou capaz de pensar numa ou duas pessoas das Igrejas que gostaria de pôr no lugar do Ferro, mas a hipocrisia reinante impede-me. Resta-me arredá-las para o reino do humor abstracto.
Mas será que o humor tem lugar na Igreja? Penso que sim.
1 - Há "graça" na Igreja?
Cristo nasce entre nós cheio de "graça" e verdade. Não podemos fugir ao duplo sentido na nossa língua dessa palavra graça. Vi um postal de Natal há algum tempo que achei interessante: José e Maria na manjedoura debaixo da estrela. José para Maria: "Pára de refilar. O que é que esperavas num hotel de uma estrela".
Infelizmente, falta-nos na Igreja a graça de rirmos saudavelmente, e a dimensão da Graça que restaura. Somos ágeis na condenação, e peritos em mau-humor.
2 - Há humor na Igreja?
No seu livro "The Cosmic Vision and The Christian Faith" Conrad Hyers diz que "a fé sem riso conduz ao dogmatismo e à arrogância, e o riso sem fé leva ao cinismo". Concordo. A fé cristã, longe de negar o humor, recomenda o seu uso terapêutico para ajudar a enfrentar o desespero e a falta de sentido da vida. "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!" Ora, aí está uma afirmação de humor negro sobre a realidade. Não esquecer que "vaidade" significa oco, vão, sem fundamento. Os ingleses diriam: meaningless. Haja humor para confrontar as ironias e as absurdezas da vida.
Para terminar cá vai uma para provar que Deus tem sentido de humor também. É de cair o dentinho ó vós almas beatas e seráficas!
No outro dia eu disse para Deus: "É verdade que um minuto para Ti é como mil anos?" "Sim", respondeu Deus cauteloso. "E também é verdade que para Ti um euro é como se fossem 1 milhão de euros", continuei. "Sim", confirmou Deus. "Bem", disse eu para Deus, "dás-me por favor 1 milhão de euros?" E Deus respondeu: "Espera só 1 minuto!"
Samuel Nunes