sexta-feira, maio 21, 2004

[Sem título]
Será exagerado dizer que fiquei surpreendido com a notícia. Afinal de contas, trata-se basicamente da mesma razão que mantém, por exemplo, o telejornal da TVI no top das audiências televisivas. Mas a verdade é que não consegui evitar alguma indignação.
Segundo uma sondagem da Terra-Lycos, durante a semana passada a quantidade de buscas realizadas na Internet para ver a decapitação do norte-americano Nick Berg às mãos de terroristas iraquianos foi muito superior às destinadas a encontrar sites pornográficos. Recorde-se que estes sites são, usualmente, os mais visitados de toda a rede.
Já há muito que não alimento ilusões quanto à verdadeira natureza humana. E por isso não julgo que a popularidade dos autos-de-fé da Inquisição como forma de divertimento tenha tido origem na rudeza, na falta de cultura, no fanatismo religioso, ou na miséria que era comum a muitos portugueses da época. A morte como espectáculo tem uma longa tradição histórica. Lembremos apenas os circos romanos. Hoje, em pleno século XXI, pessoas com um nível de educação, de conforto, de acesso à informação, como nunca antes a Humanidade conheceu, não fogem à regra. Sob uma capa social diferente mantêm a mesma natureza que os impele à contemplação (não quero ir mais longe) da decapitação de outro ser humano. Paradoxalmente, o progresso, parte fundamental dessa nova capa social que afirma o desejo de um mundo mais digno e fraterno para todos, fornece também a tecnologia necessária para que as raízes do passado não só permaneçam, como se tornem cada vez mais acessíveis. No caso específico, a Internet, que deixa a satisfação da mórbida curiosidade apenas à distância de um clic. É caso para dizer que alimentamos com as melhores iguarias o monstro que afirmamos querer destruir.
Esta contradição, própria de um Homem imperfeito aspirando à liberdade, é um grande desafio para os cristãos de hoje.
Por um lado, pela necessidade de denúncia. De afirmação clara do erro. A "normalização" do pecado, quer pela facilidade de acesso, quer pela quantidade de oferta, faz parte de uma lógica maligna. De um percurso degrau a degrau. A pornografia, depois de constituída "normal", cede lugar ao "espectáculo" da morte. E o processo apresta-se a recomeçar. Mas "toda a gente faz" é um argumento com tão pouca consistência bíblica que não pode permitir ao cristão ficar calado.
Por outro lado, a ideia de resistência (Tiago 4:7) ganha uma nova dimensão. O comando da televisão e o teclado e o rato do computador tornam-se perigosos campos de batalha. Com ou sem uma ética específica para a Net e para a televisão, importa reconhecer que é também nestes espaços que vivemos a nossa fé. O Cristianismo nunca é virtual.
Pedro Leal