Depois da ceia
Não há grande virtude em arriscar comparações entre a fé e a cozinha. Mas a asneira não será suculenta se dissermos que o cristianismo é como o cozido à portuguesa - confeccionado de formas diversas consoante o local. Serve a tese gastronómica para fazer eco de artigo pertinente lido na Christianity Today, onde Chris Armstrong reflecte sobre a sobrenaturalidade de alta voltagem do cristianismo africano.
Quis a Providência assim espalhar os crentes pelo globo: os do mundo ocidental hirtos e pouco permeáveis a doutrinas que desafiem os tubos de ensaio da Revolução Francesa; os outros, gingões na sua animada compreensão a cinco dimensões da terra e céu. Provavelmente cada um tem o que merece.
Nem sempre estas diferenças são nítidas. Se há um bispo gay com que o mundo dito desenvolvido quer provar alguma coisa, lá barafustam as paróquias africanas que isso vai contra a natureza. Tirando esta pequena peritagem do acidente, não são muitas mais as ocorrências.
Onde para uns há muros a derrubar em direcção a um universalismo minimalista e gasoso justificado pelo ecumenismo, a tolerância e os bons fígados do clero progressista, para outros há incitamento à batalha espiritual contra demónios específicos e de Bilhete de Identidade nas garras. As igrejas pentecostais no ocidente permanecem enquanto sucursais curiosas e eficientes de uma mente africana numa cultura europeia. Daí talvez a sua preciosa irrazoabilidade de base: por vezes parecem brancos a querer ser pretos.
Há uma passagem na Escritura que vale a pena lembrar. O capítulo nove do Evangelho de Marcos conta que os discípulos quiseram pôr na ordem um sujeito que em nome de Jesus expulsava demónios e que, contudo, não integrava a comitiva oficial dos seguidores do Mestre. Mas Jesus respondeu: Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e, logo a seguir, possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós é por nós. O mais interessante é que cada um ficou no seu lado a tratar dos seus próprios negócios. Lá se vai o fundamento de uma igreja oficial, aprovada pela legitimidade apostólica e parte-se o pífaro que toca a chamada para a unificação dos crentes. É Cristo que dá o exemplo.
Os cristãos têm nas Escrituras uma boa medida para um saudável relativismo cultural (termo sinistro mas para os efeitos útil): se em Portugal os baptistas não fumam, na Espanha a absolvição é rápida; se no Brasil os pentecostais não bebem, na Lusitânia faz-se um brinde; se para os protestantes um "Avé Maria" é digno de um rápido exorcismo, para os católicos o preservativo detém o exclusivo satânico. Cada um cozinhe à sua maneira. Convidemo-nos uns aos outros para experimentar o tempero e agradeçamos à mesa com uma oração. Depois, cada um siga o seu caminho para casa.
Tiago de Oliveira Cavaco