O trapézio
Henri Nouwen relata um encontro que teve com os trapezistas dum circo no seu livro "Sabattical Journeys". Um relato memorável. Conta Henri Nouwen que os trapezistas dão-nos um grande exemplo de confiança. Os "voadores" têm de confiar inteiramente no seus "apanhadores". Os "voadores" fazem os seus saltos duplos e triplos, mas depois têm de ser agarrados pelos "apanhadores". Os saltos dos "voadores" são espectaculares porque os "apanhadores" esperam por eles no lugar certo, e no segundo certo. E há mais. Os "voadores" nunca devem procurar os "apanhadores". Estes estão lá no momento preciso para arrancarem os "voadores" do espaço.
Na vida há muita gente com medo de voar. Medo de largar o trapézio. Medo profundo de darem "saltos espectaculares" na vida. Não amam porque têm medo da rejeição, do abandono, do desencanto. Não lutam porque têm medo do descrédito. Não opinam porque têm medo do ridículo. Não dão porque acham que podem ser explorados, abusados, achincalhados. Não mudam porque receiam o desconhecido, o que não controlam. Pais que não arriscam dar autonomia aos filhos porque têm medo de os perder. Filhos que não comunicam porque têm medo do ralhete paterno. Casais que preferem o "conforto" do divórcio amoroso porque têm medo da restauração de relacionamentos que obriga à transparência emocional.
E o medo paralisa ...
João diz: "o amor escorraça o medo". Antes João afirmara que "nós amamos porque Deus nos amou primeiro". E é aqui que encontro a base para os voos da vida. Aqui está a raiz da minha aventura. Se Deus me ama, então tenho coragem para dar novos passos, para desvirginar florestas, para pisar areias calmas, para desbravar emoções paradas, para rebentar com instituições falidas, para arriscar novos sonhos, para amar de forma extravagante.
Se os pais cressem mais no amor de Deus, certamente seriam menos possessivos com seus filhos. Se os casais acreditassem no amor de Deus, seriam mais genuínos e generosos. Se os jovens acreditassem no amor de Deus, seriam mais aventureiros na vida da Igreja. Se os crentes acreditassem no amor de Deus, seriam mais compreensivos com as falhas alheias. Se eu confiasse inteiramente no amor de Deus, seria melhor pastor.
É isso que nos ensina Cristo. A afirmação foi clara e soou forte: "este é o meu Filho amado, em quem tenho prazer". São estas palavras do Jordão que dão a força de viver a Cristo. Deus o Pai, é o "apanhador". Por isso Cristo sobe ao Calvário, por isso Ele ama os inimigos, por isso Ele cuida das prostitutas e dos marginalizados, por isso Ele confronta as instituições fossilizadas, e por isso Ele denuncia a arrogância dos poderosos.
É urgente sairmos da zona de conforto em que as Igrejas se transformaram. É premente termos a ousadia de soltar as mãos de trapézio e .... voar. Perguntaremos: corremos o risco de nos estatelarmos no chão? Não! Temos um "apanhador" atento e infalível: "eis que estou convosco sempre".
Samuel Nunes