sexta-feira, março 26, 2004

Do editor
O número doze d'Os Animais Evangélicos oferece:
- o melhor texto que por aqui já se publicou mencionando a questão do aborto, do Samuel Úria
- a apreciação rigorosa do projecto da Bíblia Manuscrita, do Timóteo Cavaco
- a minha secreta vontade de rir durante o culto
- os padres sem castidade do Samuel Nunes
- e a inesperada alegria infantil do Paulo Ribeiro.
Para a semana vem o treze, um dígito menos casto.


"Crianças a brincar na neve em plena primavera."

Quantidade desagradável de pontos de interrogação
Isto não é sobre o aborto, mas começo afirmando que, por muita volta dada ao assunto, será plural uma opinião: ninguém é favorável ao aborto natural de uma criança esperada. Se me esquivo a ironias nos primeiros parágrafos, hoje fujo à regra: quando “Deus é chamado” para justificar posições na matéria da interrupção voluntária da gravidez é um “ai Jesus”, por outro lado, se a criança esperada morre antes de nascer, exigem-se “porquês” a Deus. Mas isto não é sobre o aborto, pelo menos o eufemisticamente apelidado de interrupção.
“Os desígnios de Deus são insondáveis”. Esta frase já foi assim traduzida de tantos filmes que não faltarão teólogos de ocasião. Quase certo é dessas palavras nunca ter chegado qualquer consolo. A Simone de Oliveira, uma abortiva assumidamente abortadora, cantava que “quem faz um filho, fá-lo por gosto”. Como chegar então ao coração daqueles que, com muito gosto, queriam ser pais mas se viram desgostosamente sem um filho? A insondabilidade dos desígnios de Deus dificilmente consola a necessidade carpideira de porquês.
Retomando passados musicais portugueses, seria num politicamente pouco teísta artista que chegaria a sensatez resignada do comum popular. “Ai Deus mo deu, ai Deus mo levou” do Zeca Afonso não espelha amargura, antes imerge-nos na muito questionada noção do Deus totalitarista. Num passado musical mais recente, pouco português, Nick Cave canta não acreditar num Deus intervencionista. Onde ficamos nós? Muitas vezes deixamo-nos no conforto das múltiplas referências, explicando as coisas boas como bênçãos de Deus e as más como coisas da vida. Afinal como é que funciona?
Se me ponho a esgravatar no “funcionamento de Deus”, é certo, vou esmurrar-me no muro da tal insondabilidade. Não construímos nós miniaturas dessa sebe na esperança que se torne muro de lamentações alheio? O que podemos nós oferecer a dois pais que com dificuldade geraram um filho, que a essa vitória chamámos bênção, que agora o sabem morto ainda no ventre? Um muro de lamentações insondável?
Este texto já leva uma quantidade desagradável de pontos de interrogação. O casal recém conhecido que me induziu a escrevê-lo está a lidar com um maior número, numa escala muito mais desagradável. Na Igreja Baptista orava-se por estes dois simpáticos vizinhos. Quando ela (com ele) conseguiu engravidar, ninguém hesitou em falar-lhes da ajuda de Deus, da maneira como Ele trabalhou, do poder da oração. Ontem descobriu-se que as coisas correram mal e o bebé não resistiu. É óbvia a insuficiência duns garatujos a marcador preto no abdómen para definir que “na nossa barriga mandamos nós”. E onde é que está Deus, neste momento, na vida daquele casal? Antes do gaguejar argumentativo Deus terá que estar nas nossas lágrimas.
Samuel Úria

[Sem título]
No meio de mais sangue derramado pelo mundo, promessas de vingança e de destruição, no meio da dor das cerimónias fúnebres dos corpos despedaçados do 11 de Março, de manifestações de descontentamento e de tantas outras demonstrações de insatisfação, o nosso país assistiu a uma iniciativa a muitos títulos inédita. Dezenas de milhares de crianças, adolescentes e jovens em mais de duas centenas de escolas do ensino básico e secundário participaram livre, cívica e democraticamente na escrita de uma ou mais Bíblias, como símbolo da importância cultural e civilizacional deste livro que, para uma grande parte do mundo em que vivemos, se constitui como Sagradas Escrituras.
Acho que os méritos desta iniciativa vão muito além do simples significado religioso do livro que, para nós cristãos, é O Livro. Há alguns aspectos, externos à iniciativa em si mesma, que merecem algum tipo de destaque. Em primeiro lugar, este é um projecto de carácter verdadeiramente nacional, que colocou muitas escolas espalhadas pelo território nacional (Continente e Regiões Autónomas), ao mesmo tempo, a reflectirem sobre a Bíblia. Muitas iniciativas se vão desenvolvendo nas escolas ao longo do ano, mas não é muito frequente que envolvam tanta gente ao mesmo tempo, pelo período de tempo que esta iniciativa durou. É também um projecto interconfessional já que a Sociedade Bíblica chamou a si a imprescindível colaboração das entidades católica e evangélica que supervisionam a disciplina de Educação Moral e Religiosa nas escolas. Mas, para além de interconfessional, é também uma iniciativa extra ou transconfessional, já que essa também é a natureza da Bíblia. Quem conhece minimamente a própria Bíblia e a doutrina cristã, que nela se baseia, sabe que os princípios bíblicos são de edificação para os fiéis, mas também de testemunho para os que não partilham dessa fé. E, desprezar a influência da Bíblia na nossa história, cultura, arte e mesmo nas nossas idiossincrasias sociais é desprezar uma parte da nossa identidade.
Projectos desta natureza não podem ser entendidos como contra alguém ou discriminatórios, seja essa discriminação positiva ou negativa. Projectos como este mostram efectivamente que o Estado em que vivemos é plural e aconfessional, mas não o têm que ser as pessoas que dele fazem parte e que regem as suas instituições. É verdade que nem sempre os próprios governantes e agentes do Estado compreendem esta fina fronteira entre um Estado aconfessional e plural e uma militância ou não na fé e na doutrina, seja ela cristã seja outra qualquer. Porém, a magnanimidade da Palavra também passa por aí. Muitos se deliciam em seleccionar determinados trechos das Escrituras para provar não sei o quê, não percebendo que tais textos só lá existem por que a Palavra é verdadeira e apresenta o ser humano tal qual ele é. A Bíblia não é um livro necessariamente de heróis e de grandes feitos. Lá também existe morte, traição, vergonha, desrespeito e todas as restantes “virtudes” a que o ser humano se expõe. Pena que tantos esclarecidos da nossa praça ainda não tenham percebido uma coisa tão simples como esta.
Para mim, parte envolvida no processo e por isso pouco credível, devo admitir, o que mais me tocou foi ver o entusiasmo de tantos meninos e meninas separados por os mais diversos critérios que a sociedade impõe, sejam eles religiosos, económicos ou culturais, empenhados a participar num símbolo de unidade e fraternidade. E a fazê-lo num espírito de liberdade plena que só é possível pela efeméride que dentro de um mês celebramos. Se nada mais ficou desta iniciativa, que pelo menos tenha ficado demonstrado que a Bíblia é a palavra da verdadeira liberdade.
Timóteo Cavaco

Os temores do neto de pastor
No último domingo de Ceia do Senhor na minha igreja, uma menina de pouco mais de dois anos quis quebrar a solenidade do momento e participar do pão. Quando a bandeja chegou perto dela, tomou a iniciativa de lançar mão ao elemento. A avó rapidamente corrigiu o instinto espiritual precoce da neta, repondo à cerimónia a contenção devida.
Não fomos feitos com uma reverência a toda a prova. Parte substancial do humor nasce da transgressão. Ou pelo menos do desejo de transgredir. A religião, cheia de pruridos e regras bem intencionadas, é o terreno onde, por excelência, dá vontade de quebrar o código. O filho delinquente do pregador é um clássico. Nas igrejas protestantes o peso de ser filho do pastor é grande. A forma como a paternidade sacerdotal resulta frequentemente em descendência proscrita não é rara. Dos filhos de Eli ao Alice Cooper, a tradição é diversa.
Eu que não sou filho de pastor mas neto nunca fui um rebelde urbano. A minha mãe, produto original, também não foi uma Calamity Jane. Mas parte do material genético que dela herdei passa por um sentido de humor que gosto de classificar iconoclasta. Tanto se faz pouco do padeiro como do missionário. É um dom.
O púlpito não será tradicionalmente pensado enquanto local de grandes tentações. Mas eu gosto de pensar nele nesses termos. A solidão do reverendo, o levar-se demasiado a sério, o estarmos de pé enquanto os outros permanecem sentados, o risco da desinspiração, entre outros, são perigos demasiado verosímeis. O inesperado locus horrendus. O humor pode ser tão útil como a vara para Moisés. Resta saber se com ele vamos abrir mares vermelhos ou fender rochas no deserto para matar a sede a congregações impenitentes.
Tendo crescido nos subúrbios conheço bem o terror do assalto inesperado ao virar da esquina. Tendo crescido na igreja conheço bem o terror do pregador que não sorri. Peço ao Senhor que seja liberto de ambos.
Tiago de Oliveira Cavaco

Padres sem castidade: brincadeira de mau gosto
Viu que Isaque brincava com Rebeca, sua esposa.” (Gén 26:8)
Isaque tinha tentado enganar o rei Abimeleque dizendo que sua esposa era apenas sua irmã, mas Abimeleque descobre a mentira de Isaque quando vê os dois a “brincarem” aos jogos amorosos. A Edição Actualizada de Almeida diz que ele “acariciava” Rebeca. A palavra hebraica faz um jogo de palavras com o nome do próprio Isaque (yishaq = riso). Assim, “brincar” ou “acariciar”, traduz a palavra hebraica “masheq”, trazendo significados repletos de segundos sentidos. Brincar com Rebeca, para Isaque, era acariciar sexualmente, tendo todo o gozo dos preliminares do jogo amoroso. Surge uma primeira conclusão: a Bíblia não é contra o sexo como veículo de prazer. Pelo contrário há sugestões claras dadas em Provérbios 5:18-19: “alegra-te com a mulher da tua mocidade, saciem-te os seus seios em todo o tempo, e embriaga-te sempre com as suas carícias”. E em Cantares temos um livro inteiramente dedicado ao amor romântico.
Por isso o escândalo dos Padres americanos sem castidade, ganha proporções enormes, não apenas pelos milhares de padres envolvidos e pelos milhões de dólares pagos em indemnizações, como também pelo carácter absurdo da premissa que leva ao escândalo. Ou seja, (1) já é escandaloso um padre sentir desejos sexuais normais. O padre não tem a opção de exprimir a sua natureza sexual. Essa faceta da sua personalidade simplesmente tem de ser obliterada. (2) é escandaloso o padre ter impulsos anormais. Como a pulsão sexual não é anulada pelo sacerdócio, ela aparece distorcida na forma de neuroses.
- Energia sexual
Voltemos ao princípio. Na criação, o termo macho e fémea, denota uma energia sexual primordial que caracteriza todo o ser humano. Naturalmente, cada um tem a sua bagagem sexual que carrega consigo pela vida e que é alimentada por experiências de infância, educação, meio-ambiente, etc. Daí que os padrões sexuais sejam impossíveis de prever ou receitar. Mas é impossível negar a existência da energia sexual que habita em nós.
- Relação sexual
Também se torna claro pelo relato Bíblico que a sexualidade deve coabitar harmoniosamente com a espiritualidade. Paulo aconselha a que não haja abstinência sexual dentro do casal a não ser por consentimento mútuo, e por pouco tempo, para se dedicarem à oração (1 Cor 7:5). Sexualidade e espiritualidade não são inimigos da estimação, mas antes complementos de satisfação. “Pecado” e “carne”, não coincidem (isso é Platonismo). A sexualidade é dádiva de Deus, e o acto sexual é resgatado do estigma negativo, até porque simboliza a união entre Cristo e a sua Noiva, a Igreja (Ef 5:25-27).
- Tentação sexual
Tendo dito isto, parece-me natural que o padre esteja mais inclinado para o escândalo sexual do que o pastor. O pastor será mais tentado para o adultério (veja-se o caso paradigmático de Jim Bakker, e Jimmy Swaggart, nos Estados Unidos, e de Caio Fábio, no Brasil). O padre, pelo seu lado, será tentado, ... a tudo. Por que nada lhe é lícito, tudo lhe é punido. Não pode ter uma relação heterossexual, nem homossexual, e muito menos pedófila. O pastor será escravizado por um moralismo tipo Letra Escarlate. O padre sentir-se-á reprimido pelo voto casto, aumentando exponencialmente o risco de perversão dentro de si. Ao inibir-se a via normal, a pessoa é empurrada para as hipóteses perversas. Entra-se no reinado das neuroses, das fobias, das psicoses, das anomalias, etc. O pastor tem sempre a possibilidade de uma cerca de protecção à sua volta. Tem a esposa com quem pode satisfazer o seus desejos mais íntimos de erotismo e ternura. Tem os filhos e os familiares que possibilitam a construção de laços amorosos saudáveis e responsáveis. O padre está entregue a si mesmo ... e aos seus impulsos naturais. O pastor não é atraído pelo ministério como fuga aos seus traumas (certamente haverá excepções). O padre, pelo celibato obrigatório, pode trazer consigo distúrbios sexuais prévios, que encontram no sacerdócio uma legitimidade social e espiritual para o negação da sua sexualidade. Mas o voto de castidade não anula os impulsos sexuais (quanto muito serão canalizados noutra direcção), e eles surgem à tona de água, em formato distorcido.
- Obrigação sexual
No meio evangélico há uma obrigação do pastor casar (para não abrasar, e há com cada brasa!). No meio católico a obrigação do padre vai no sentido de não poder casar (certamente há muitos a abrasar). Os evangélicos perdem assim a contribuição ministerial de muitos que não se sentem chamados para o casamento; e os católicos desvalorizam desta forma muitos que não se sentem chamados para o celibato. No entanto, a Missão para a qual Cristo nos chama é pastoral: “Apascenta as minhas ovelhas”. E à partida, a sexualidade não deveria excluir nenhum candidato.

Textos de apoio:
- Revista Ultimato nº 277, em especial a entrevista com a psicanalista Karin Hellen Kepler Wondracek
- Freud versus Deus, de Dan Blazer
Samuel Nunes

sexta-feira, março 19, 2004

Do editor
O número 11 d'Os Animais Evangélicos traz
- o corpo são do Samuel Nunes
- o fim do mundo do Samuel Úria
- a serpente do Pedro Leal
- a velhinha semi-surda da minha igreja
- e a mulher com cabeça de boi do Paulo Ribeiro
Tudo boas razões hiper-gráficas para a leitura.


"Mulher com cabeça de boi, em cima de cartaz publicitário, em ambiente citadino deixa cordeiro com asas estranhas seguir o seu rumo".

O bom ruído litúrgico
Na minha igreja há um velho casal cuja senhora é razoavelmente surda e o marido suficientemente solícito para auxiliá-la. Durante o sermão, quando o pastor indica a passagem bíblica, a congregação espera pelo eco. O esposo repete as coordenadas geográficas das Escrituras para que a sua mulher, mais experimentada na ordem do cânone, abra no sítio certo. O que poderia ser considerado ruído comunicacional é para mim a garantia que me mantenho no local apropriado. Na igreja.
Como boas criaturas carentes da paciência divina que somos, tendemos a escolher a igreja à qual pertencer como quem escolhe um par de calças de ganga. Segundo as tendências vigentes e um nem sempre muito confiável critério estético. Isto quando algo nos leva a abandonar a congregação na qual nascemos. Actualmente os átrios dominicais mais repletos são aqueles que oferecem uma satisfatória componente performativa. Um programa organizado. Sem espaços em branco. Com um som irrepreensível. Pastor e instrumentistas higiénicos. Uma projecção nítida dos textos. Em suma, um culto decente.
É o apego de muitos a estes cultos decentes que provoca que tantos não façam a mínima ideia daquilo que a igreja é. Eu também não estou completamente seguro mas vou fugindo destas assembleias ordeiras. Que não seja mal interpretado. Abomino pastilhas elásticas e namorados embevecidos nos bancos da casa de oração.
A natureza espiritual da igreja implica a sua própria imprevisibilidade. E se isto serve muito bem os interesses dos fascinados com a sobrenaturalidade, o certo é que não se fica por aí. O quão mais nos aproximamos do divino, melhor sentimos o humano. Reconstruo. Quanto mais impecável é a execução da liturgia, maiores são as possibilidades de não comunicarmos com o Criador. Uma espécie de monotonia celestial com gente que se esforça demasiado.
A dureza de ouvidos daquela anciã é, na minha congregação, a certeza de que ainda são pessoas que por ali estão a tentar louvar o seu Deus. Enquanto não se transformarem em frequentadores de cultos decentes, tudo ficará bem.
Tiago de Oliveira Cavaco

O Fim do Mundo
Era um dia desagradável como qualquer outro dia desagradável. Faltava exactamente uma semana para eu completar 22 anos. Tinha-me levantado cedo em plenas férias de Verão na Figueira da Foz para resolver atrozes burocracias (não o são todas atrozes?) a cento e muitos quilómetros daí. A alvorada, a papelada e a distância eram razões suficientes para, dentro dos banais dias desagradáveis, aquele o ser muito.
Depois da manhã aterradora, o regresso à Figueira com o meu pai só poderia augurar um resto de dia menos infeliz. Deixei o carro enquanto, em manobras curtas e difíceis, o meu pai estacionava na garagem do prédio. Subi displicentemente as escadas, abri a porta e sentei-me no sofá. Era princípio de tarde e os noticiários televisivos deveriam ter acabado há pouco tempo. Nada fazia prever que o ligar do televisor traria o preocupado semblante de um pivot do telejornal. O meu semblante foi atrás do dele.
Enquanto uma torre ardia nos céus da manhã nova-iorquina, o meu pai chegava a casa na tarde figueirense. Tentei explicar-lhe o que se estava a passar numa tentativa ridícula de acrescentar qualquer coisa à cortina de fumo nas imagens. Ele disse que aquilo era atentado mas eu serenava a descrição, tentando à força excluir o mais hediondo dos cenários.
Na sala da casa dos meus pais na Figueira da Foz, há um sofá grande a uns 2, 3 metros da televisão. Quando o segundo avião chocou com a segunda “torre-gémea” lembro-me de estar sentado aí. Assim que caiu por completo o edifício, acordei noutro sofá mais atrás, literalmente empenhado na patetice teatral de beliscar-me.
O mundo estava a acabar. Por muito nubladas que as memórias daquele dia estejam, quem sabe devido ao demoníaco fumo na metrópole americana, tenho a nítida sensação de me deslocar para o quarto da minha irmã em absurda corrida. Peguei numa Bíblia e deixei que o grosso das folhas caísse para o lado esquerdo destapando o “Apocalipse” de S. João. O mundo estava a acabar e eu queria encontrar este dia desagradável descrito nalguma passagem. Queria mesmo ver lá a descrição de duas torres caídas que iriam acelerar o processo do Fim. O mundo estava a acabar e eu ficava muito bem visto se chegasse o apocalipse enquanto segurava uma Bíblia.
Tive a minha infância nuns apalermados oitenta. O planeta já começava a enfastiar-se da ameaça nuclear que pairava com a Guerra Fria. Em Portugal vivia-se a alegria ensimesmada da primeira década de liberdade. Até me recordo de, na década seguinte, ser algo tranquila a reacção à Guerra do Golfo. Foi preciso chegar o séc. XXI para eu levar uma dose de medo colectivo.
Hoje ainda estranho o ter-me abeirado do “Apocalipse” no fatídico dia. Não procurava conforto, apenas queria saber se era hora. Quando tinha 9 anos e vi o King-Kong (na versão dos anos 70 do John Guillermin em que o macaco escala as torres do World Trade Center) forçava-me a ter medo do símio gigante, para melhor gozar o pedaço de evidente ficção. Nada se comparava, no entanto, à grotesca descrição das bestas que lia, sorrateiramente, no “Apocalipse” durante as reuniões de quarta-feira. Mais de 10 anos depois voltei ao último livro da Bíblia para desejar uma suavização da crudelíssima realidade que acontecia.
Caiam torres ou caia a Babilónia, Cristo sai vencedor no fim. Não suspirei aliviado porque já o sabia desde as “extemporâneas” leituras nas quartas-feiras da minha infância. “Quando se fizer chamada lá estarei” sempre foi, também, um dos meus cânticos eclesiásticos predilectos.
Numa viagem de comboio no dia 12 de Setembro de 2001, de ânimos amainados, comecei a julgar que o Fim não tinha afinal chegado. Mas o fim do terror, esse nunca surgiu, muito menos numa outra viagem de comboio num outro dia 11. Depois de Madrid, recordo que o mundo não acabou na altura do ataque terrorista às torres e ao Pentágono. Não acabou mas não tenho assim tanta certeza.
Samuel Úria

E a serpente?
“Eis que vos envio como ovelhas ao meio dos lobos; portanto, sede prudentes como serpentes e simplices como as pombas.” (Mateus 10:16)
É intrigante que estas palavras de Jesus, dirigidas aos seus discípulos, passem quase despercebidas aos crentes de hoje. De facto, trata-se de um mandamento importante para quem, como os doze, vive num ambiente hostil ao Evangelho. Se, por um lado, a parte das ovelhas e das pombas não espanta ninguém, o mesmo já não se pode dizer da prudência estilo serpente. Para muitos cristãos este trecho da advertência do Mestre pura e simplesmente soa a novidade.
A responsabilidade desta omissão cabe, sobretudo, à deturpação do conceito de Amor. Cultiva-se uma visão demasiado passiva, quase displicente. Muitas vezes entende-se o Amor como uma espécie de desculpa demissionária na luta com os “lobos” deste mundo. Que oferece logo a garganta, e se contenta com o papel de mártir, em vez de preparar responsável e ousadamente a defesa e o consequente contra-ataque. Não será que muito do que fica por cumprir da nossa função de “sal e luz do mundo” se deve a esta noção míope? Por alguma razão o Senhor usa a imagem dos dois animais. A sinceridade e a simplicidade, e, ao mesmo tempo, a perspicácia e a prudência.
Na recente discussão pública e parlamentar sobre a despenalização do aborto aconteceu um bom exemplo de como deve ser esta oposição activa.
Os movimentos pró-vida recolheram quase duzentas mil assinaturas contra a despenalização, num curto espaço de tempo. Entretanto, as organizações pró-aborto tentavam legitimar um novo referendo com as suas cento e vinte mil assinaturas a favor. Durante semanas, contaram com o apoio evidente dos principais órgãos de comunicação, incluindo as três televisões. Mas todo o seu esforço foi relegado para segundo plano perante a inesperada, e mais volumosa, petição em sentido contrário.
Para além da organização, capaz de mobilizar e agregar, este sucesso teve também por base uma boa estratégia. O efeito surpresa e o momento escolhido para a divulgação foram fundamentais. Quando se tornaram públicos os resultados do abaixo-assinado, os adversários pouco mais puderam fazer do que mostrar compreensível irritação.
Se os movimentos pró-vida tivessem optado pela passividade, a causa da despenalização teria ganho facilmente uma batalha. Mas eles reagiram. Estava em jogo a defesa da Vida, e não quiseram ficar de braços caídos, carpindo as suas mágoas. Souberam defender-se. Responderam à altura, delineando uma estratégia inteligente, sem, no entanto, justificarem os meios com os fins.
Este é, pois, um bom exemplo para os cristãos. Se o Senhor Jesus nos envia ao meio dos “lobos”, Ele também nos dá as armas para resistir. A transparência dos simples e a sabedoria dos prudentes.
Pedro Leal

Androginia: A Sexualidade Pagã (2)
Tentei na semana passada demonstrar que o objectivo da homossexualidade militante, é a desconstrução da família tradicional, com raízes no liberalismo teológico, no feminismo extremado e na espiritualidade do novo paganismo a que assistimos. Hoje gostaria de ir um pouco mais longe nas marcas pagãs da nossa sociedade que têm ressuscitado um culto da androginia. Desde sempre, que o paganismo andou de mãos dadas com o sistema religioso andrógino.
Mel Gibson, na sua “Paixão”, retratou de forma genial a figura do diabo. Sibilino e escorregadio, insinuante e provocante... bonito. Bonito mesmo! E... andrógino. Aquela cena misteriosa quando o diabo leva ao colo e acarinha uma criança envelhecida, o que significará? Bem, primeiro o diabo não acarinha nada! Será a inocência perdida que ele carrega!? Será a criação por redimir, e que mais tarde é restaurada por aquela lágrima divina que irá despoletar todos os fenómenos naturais!? (Pode ser. Visto que quando o diabo grita alucinado e derrotado, já não tem nada ao colo. A putrefacção da criação e da humanidade escaparam-lhe. Com a morte de Cristo tem início uma restauração cósmica que terá a sua apoteose nos novos céus e nova terra) Mas, mesmo aquele ser aberrante e abjecto, ao colo de satanás é um andrógino ontológico.
Já na época Suméria (1800 AC) havia sacerdotes andróginos associados ao culto da deusa Ishtar. A razão do seu culto era porque a deusa tinha “transformado a sua masculinidade em feminilidade”, e funcionavam numa posição ambígua entre o mito e a realidade.
Várias formas de androginia são encontradas na Síria e na Ásia Menor no 3º século AC, mas a sua expressão mais clara aparece durante o Império Romano. Está bem documentado que a Grande Mãe Cibele tinha sacerdotes andróginos chamados Galli que se castravam como acto de adoração permanente à deusa. Uma versão de Cibele encontra-se em Éfeso, onde Paulo fundou uma Igreja, sob o nome de Artémis. Na Síria a Cibele tem o nome de Rhea. Os ritos de iniciação para o culto a Cibele ou a Rhea, incluíam o baptismo no sangue dum touro morto na arena. No fim da cerimónia por vezes os “poderes genitais” do touro eram oferecidos à mãe dos deuses. Mais uma prova da emasculação do macho diante da divindade feminina. Não há muitas dúvidas de que este ritual era uma reprodução do culto mítico egípcio a Isís, em que o irmão/ amante Osíris é morto e o seu corpo cortado aos bocados. Isís, junta os pedaços do corpo do seu amante, excepto o pénis que é comido por caranguejos, e magicamente restaura-o à vida. Por outras palavras, mesmo na morte o macho ideal é emasculado, como os Galli em vida.
Há razões para acreditar que uma forma antiga de Gnosticismo, chamado Hermetismo, influenciou o Ocidente na Idade Média, revelando-se na espiritualidade mística da Alquimia. Assim, o alquimista espiritual transformou-se naquele que “sabe segredos”. Embora não houvesse nenhuma manifestação sexual explícita, o juntar dos opostos (fenómeno tão querido dos espiritualistas da Nova Era) era visto como um casamento sagrado, cujo fruto era a “pedra filosofal”. Por vezes o fruto aparece representado como um “filho da obra”, apresentando-se com o nome de Andrógino Hermético. Um ser autenticamente “dois-em-um”. No mínimo, haverá aqui uma androginização ritual.
A herança moderna da Alquimia é a Teosofia. A sua fundadora, Madame Blavatsky, mantinha uma relação lésbica dominadora com a sua sucessora Annie Besant. Aleister Crowley e Charles Leadbeater, notáveis homossexuais, continuaram a obra da fundadora iniciando a liga pagã da Ordem Hermética da Aurora Dourada. As suas actividades eram abertamente uma propaganda da sua espiritualidade pagã.
Falta o espaço para mencionar variadíssimas manifestações de androginia nos cultos Africanos, com os “sacerdotes assexuados vestidos e comportando-se como mulheres”; nos feiticeiros da Amazónia; nos bruxos Celtas; e na espiritualidade Hindu, com o Yoga Tântrico. Mircea Eliade explica: “quando Shakti (uma divindade hindu), que dorme na forma duma serpente (kundalini), na base do seu corpo, é acordada por certas técnicas yogâmicas, ela mexe-se através das chakras (mediadores de energia) até ao topo da cabeça, onde habita Shiva (outra divindade hindu), e une-se a ele”. O praticante de yoga, por técnicas poderosas de meditação sexual/ espiritual, é assim transformado num tipo de andrógino. Também no Budismo o verdadeiro humano, o arquétipo, é chamado bodhiasattva, e é andrógino.
É interessante notar que todos estes cultos pagãos têm em comum, para além da androginia, o comportamento levitacional, a auto mutilação, e a encarnação em animais. Também há uma habilidade na comunicação com o mortos. Emily Culpepper, ex-Baptista, agora uma bruxa lésbica pagã, diz o seguinte: “o poder das bruxas, das sibilas, e dos druidas, emerge da sua capacidade de comunicar com os não humanos: forças extra-terrestres e subterráneas, e com o mundo espírita dos mortos”.
São evidências sóbrias, as que enunciei. O paganismo da nossa sociedade vem vestido de sexualidade pagã. Dito doutra forma: a homossexualidade não será tanto uma questão biológica ou social, mas sim a expressão prática de espiritualidades pagãs tão velhas como o mundo. É cada vez mais evidente que um compromisso religioso vem acompanhado duma prática sexual bem definida. (veja-se só o escândalo na América dos padres sem castidade)

Texto de apoio: “Tratado de História das Religiões”, Mircea Eliade
Samuel Nunes


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O CORREIO ANIMAL

Caros animais
Vim parar ao vosso blog e a alegria foi imensa. A minha simpatia pelos evangélicos já tem uma data algo longa. Não posso dizer que sou um católico não-praticante, mas continuo noutro cliché do catolicismo, o do católico escravo da tradição.
Há coisa de uma década também eu tentei encetar uma publicação própria que abordasse originalmente algumas facetas religiosas do dia-a-dia. A falta de meios impediu aquilo que o suporte da internet hoje facilita e a coisa dissolveu-se antes da meia-dúzia de números.
Gostava de fazer o pedido de ver online os vossos arquivos. A curiosidade é muita.
Gostava ainda, antes de finalizar, de dar os parabéns a todos, sobretudo a Samuel Uria pelo artigo simplesmente genial e à confissão tocante de João Leal.
Um abraço e os votos de vos continuar a ler por muito tempo
Sérgio

Caro Sérgio,
o problema dos arquivos em on-line é o nosso espinho na carne. Estamos a ver se sobrevivemos a esta provação temporária. Agradecemos a sua leitura e as palavras amáveis. Que não as possamos desmerecer.
Um abraço,
TOC
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sexta-feira, março 12, 2004

Do editor
Chegamos ao número 10 d'Os Animais Evangélicos. O que se podia prever, verifica-se. "A Paixão de Cristo" marca a agenda dos artigos apresentados. Saliento o regresso do João Leal, a liberdade criativa que já conhecemos no Samuel Úria e a continuação do Samuel Nunes nas questões da carne.
É imprimir, ler e depois ver o filme.
TOC


"Incendiário Super Jesus"

Androginia: A Sexualidade Pagã (1)
Tal como os Sodomitas de Génesis 19, a bater à porta da casa de Ló, o movimento "gay" está aí, influenciando toda a sociedade e às portas das nossas Igrejas. A exigência "gay" é simples: "não queremos apenas tolerância, queremos aceitação social". E, na realidade, o desafio que a questão homossexual lança, é profundamente transformadora porque implica um esbatimento de barreiras entre "igual" e "diferente" que marcava os conceitos normativos da heterossexualidade. Logo aqui surge uma pergunta importante: o que é a norma? O que é normal? Schaeffer dizia: "quando a vida é absurda, definir normalidade é uma perda de tempo". E G.K.Chesterton afirmava acintoso: "Schopenhauer, Tolstoy, Nietzsche e Shaw, estão a caminho do vazio do sanatório. Porque a loucura pode ser definida como a capacidade mental de alcançar o desespero mental, e eles estão quase lá". Será que já chegámos a este desespero mental? Será absurda a existência? Talvez! Por isso é pertinente perguntar como chegámos a este estado de coisas?

- Raízes no liberalismo, feminismo e espiritualismo
O movimento homossexual tem conquistado imenso terreno nas últimas décadas, e não vai definhar porque está intimamente ligado a todas as mudanças operadas na nossa sociedade moderna. Só para lançar algumas raízes, fica claro que o liberalismo foi um factor determinante. Uma hermenêutica baseada numa interpretação exclusivamente histórica dos textos Bíblicos, retirando toda a magia do milagroso, adubou aplicações meramente sociais. A Bíblia deixou de ser Palavra Viva, cortante e aguda, com dois gumes, para passar a ser um contentor amolgado duma verdade possível. De mãos dadas com um feminismo militante, estas interpretações Bíblicas deram força à ideia de que o texto Bíblico é "sexista", e que é tendencioso no que se refere à questão sexual. Rapidamente, passou-se a catalogar de "estreita" a visão Bíblica de Macho/ Fémea. Daqui para o espiritualismo reinante foi um passo de anão. Por isso assistimos à popularidade crescente duma espiritualidade pagã, apostada em não ser apenas uma moda passageira, mas determinada a criar um ambiente religioso universal que se oporá à visão Cristã do Cosmos.

- Raízes religiosas
Todavia, o homossexualismo também tem raízes religiosas. As mudanças radicais da nossa sociedade incluem uma exagerada liberalidade sexual, uma redescoberta do misticismo pagão (o Harry Potter dá uma ajuda), e uma profanação brutal do direito à vida ? o aborto. Será que tudo isto é mera coincidência? Ou haverá aqui uma ligação entre religião pagã e sexualidade pagã? Os homens lascivos à porta de Ló parecem dar a resposta. A sexualidade aparenta ser central e não periférica na sua vida social. a) Eles estão dispostos a quebrar as leis sagradas da hospitalidade. b) Recorrem à violência para cegamente cumprirem os seus desejos sexuais. c) Não aceitam a proposta desesperada de Ló, ao dar as suas filhas virgens. Portanto, uma completa falta de simpatia social. d) Desrespeitam ostensivamente alguém que tinha funções oficiais (Ló estava à porta da cidade, onde se tratavam dos negócios e da aplicação das leis), chegando a ameaçar que a Ló "fariam pior". O que seria pior senão o assassinato!? Assim, embora a homossexualidade se apresente muitas vezes na forma de minoria a ser protegida e associada a valores anti-vida, embrulhados na ameaça linguística do politicamente correcto; ela na realidade pretende legitimar os dogmas do paganismo.

A minha tentativa vai no sentido de definir a "nova sexualidade" como expressão integrante dos conceitos pagãos da antiguidade. A minha resposta não pode ser idêntica à de Ló que de bom grado sacrificaria as suas filhas. Tragicamente, esta concessão ética de seu pai influenciou de tal forma a vida das suas filhas que elas não tiveram problemas em cometer incesto na caverna. A ironia é incontornável: Ló faz escolhas na cidade que se dramatizam na caverna. E, também não podemos embandeirar a nossa moral superior. É urgente ouvir o coração dos que carregam a Imagem Divina, por mais que ela esteja embaciada. Nenhum de nós pode atirar a primeira pedra ... muito menos eu.

- Raízes do paganismo
Para estabelecer a ligação entre homossexualidade e paganismo é preciso concretizar as faces da espiritualidade pagã moderna. Em termos genéricos, todos os grupos pagãos, encharcados no caldo da Nova Era, falam em "sintonizar o universo com a semente divina, que é uma coisa inata no ser humano, reflexo desse ser supremo. A salvação estará ao alcance de todos, bastando para tal, libertarmo-nos de tudo o que impede a expressão do verdadeiro "eu". É preciso olharmos para dentro de nós e tocarmos no nosso interior". Na visão deste paganismo moderno, "a humanidade é uma realidade divina unificada, e todas as religiões em última análise são apenas expressões duma única verdade universal. O processo para se chegar a este entendimento espiritual é a intuição e a meditação. Isto alcança-se através duma experiência mística de percepção de nós mesmos como o centro dum círculo sem limites". Carl Jung dizia: "O eu é um círculo cujo centro está em todo o lado, e cuja circunferência não está em lado nenhum". A meditação, de acordo com o paganismo moderno, permite que "a alma se desligue dos limites do corpo, e entre em contacto com a unidade cósmica espiritual".

Ora, aqui não há terreno neutro. Ou aceitamos esta interpretação da realidade espiritual ou rejeitamo-la. Se aceitarmos a visão pagã, a nossa teologia terá de apresentar tons pagãos. E a nossa sexualidade também. O paganismo defende que a família tradicional não pode ser a única referência da sociedade. Que casais do mesmo sexo podem adoptar e educar crianças. E, é esta desconstrução da heterossexualidade, como norma das sociedades humanas que leva ao crescimento do paganismo. Naturalmente, a destruição da sexualidade "tradicional", abre o caminho para uma visão pagã da sexualidade. Isto é visível nos índices assustadores de divórcios, no crescimento exponencial da pornografia e da pedofilia, e na pressão social para que se aceite abertamente a homossexualidade. Voltamos aos tempos de Ló, onde todos no povo, tantos velhos como novos, se dedicavam publicamente às práticas sodomitas. Este é um fenómeno que marca a espiritualidade pagã do nosso tempo. No entanto, não ficamos por aqui. A homossexualidade é apenas a antecâmara doutro fenómeno mais abrangente: a androginia. (continua)

Textos de apoio: "How should we then live" Francis Schaeffer; "On being a Christian" Hans Kung; "The vision of God" K.E.Kirk "Orthodoxy" G.K.Chesterton
Samuel Nunes

Testemunho de um cristão tímido
O numero de pessoas que frequenta a Igreja de que faço parte varia entre as duas e as seis, sendo que seis é uma enchente de ano sim, ano não. Mas há mais de meia década, de uma maneira regular, a Igreja de que faço parte é constituída por mim e por um grande amigo meu, o Jorge Viegas. Encontramo-nos todas as semanas e Deus é sempre tema principal.
Sem orgulho e sem vergonha, não tenho denominação evangélica apensa. Não frequento instalações de nenhuma Igreja para cultuar e adorar a Deus. Não faço parte de nenhum rol de membros, também.
O Jorge já me ouviu muitas vezes pregar, algumas orar e noutras testemunhar os avanços e recuos da minha vida espiritual. E eu a ele..
Não sou contra a Igreja habitual dos cultos ao domingo, de pastor e orgão. Não tenho nenhuma palavra a dizer acerca das dezenas de denominações evangélicas, excepto reconhecer a importância que têm para muitas pessoas e do bem que promovem.
Quando algum não cristão se aproxima e me pergunta pela minha fé, o meu primeiro impulso é fugir. Não sei falar do que tem sido o bem mais precioso para mim. Não sei apresentar os passos da salvação convenientemente de forma a ser eficaz. Sinto um pudor enorme em apresentar Jesus, visto que me parece assunto demasiado íntimo e importante.
Felizmente, tenho alguns amigos que são cristãos. Almoço de vez em quando com eles e sinto um prazer enorme em falar de Cristo e em trocar impressões acerca da nossas caminhadas espirituais.
Não sei onde colocar o que penso em termos teológicos. Mas sei que são assuntos para serem debatidos entre mim e Deus até ao fim da minha vida.
"A boca fala do que o coração está cheio" e, realmente, se eu não falo muito com os homens, falo muito com Deus. Às vezes refilo, outras agradeço e outras pergunto. Já o adjectivei em discurso directo positivamente e negativamente.
Tendo já conhecido várias dezenas de pessoas durante a minha vida profissinal, de uma maneira ou de outra a maioria acaba por saber que sou cristão. Não o escondo mas não o promovo.
Espantam-me muitas coisas na Bíblia. Maravilham-me muitas coisas na Bíblia. Há muitas interpretações da Bíblia que os meus amigos fazem que eu não tenho para mim.
Sei que sou servo do Deus Vivo e que estou sob alçada da Sua Justiça e da Sua Graça e, saber isto, é o que preciso para viver. E sim, Cristo traz efectivamente a felicidade. E paz. E alegria. E serenidade.
João Leal

[Sem título]
É necessário estarmos fora de um processo para podermos assegurar um estatuto observatório que possibilite uma eficaz análise desse sistema. Partindo desta ideia de alienação para a investigação, seria necessário abstermo-nos de inteligência incisiva se pretendêssemos uma abordagem dos fenómenos preconizados pelos "intelectuais" (enquanto pessoas que se valem da mesma "inteligência incisiva"). A tarefa fica facilitada ao recordar que é a essa estirpe (em nada quero que os adjectivos usados ganhem conotação depreciativa) que cabe a tarefa de analisar todos os processos à nossa volta. Agora surgem-me duas questões: a primeira, facilmente refutável, pergunta se será necessário apartarmo-nos do intelecto para, imparcialmente, analisar aqueles que dele se valem. A segunda questão, em alguns aspectos consequente da primeira, interroga a possibilidade, ou não, de se poder traçar uma decomposição crítica de quem dessas decomposições se ocupa: os chamados "intelectuais" (pela segunda vez uso o termo entre aspas e pela segunda vez não o faço desdenhosamente).
Se há alguma coisa que se preze nos pensadores é a individualidade dos seus pareceres. A defesa de opiniões só se torna singular quando exposta cabalmente através de um raciocínio lógico que se quer original, único. Vergo-me perante os pensadores (não meros faladores) quando estes aliam a dedução lógico-pragmática à exposição retórica, tão incontroversa que roça a performance artística. Não me deslumbro em vão. A capacidade analítica é um requisito omnipresente nos ouvidos que concedo aos intelectuais. Contraditoriamente pego na unicidade para entrar em generalizações; é por esta que se torna realizável a equiparação de um filósofo a um músico, de um aguerrido comentador político a um pintor, de um pertinente crítico de arte a um próprio artista. No preparado, inspirado e pungente intelectual, antevê-se a elevação habitualmente reconhecida apenas aos executantes em campos artísticos. A partir deste ponto desvendo a generalização apontando a questão das tendências. Tal como no campo das artes, por muito genial que se seja, em alguma altura da vida há uma cedência às tendências. No caso dos intelectuais é possível encontrar correntes a que se agregam variados subscritores. Se falo em "cedência" não a traduzo com frouxidão, nem significará "moda" a noção que apresento de tendência - o desejo de engrossar a fileira de pensamentos é raiz suficiente para aderir. Recuso igualmente remeter-me para o capítulo da globalização; os grandes temas não encaixam aqui bem (ou vice-versa).
Na minha observação do intelectualismo consigo registar alguns fenómenos cíclicos. Um que me diz respeito (daqui dou um salto de gigante para puxar a brasa à sardinha que tardava em aparecer) apresenta uma cronologia onde sinuosamente certas tendências intelectuais valorizam ou promovem valores conservadores. Admito que as tendências, neste caso, estejam muito dependentes da aceitação do "público" que selecciona ou rejeita, de entre os pensamentos manifestados, aquele com que prefere caracterizar a sociedade. Mas, escolhas à parte, é várias vezes incontornável observar como se reacende o apego a valores conservadores, sem cair em comuns reaccionarismos ou maléficos preconceitos de óculos baços. Depreende-se que o oposto acontece em igual medida, mas interessa-me pegar sumariamente no apelo e promoção de determinados valores. Passo até a afunilar para um aspecto que validará o discurso anterior neste espaço de "evangélicos": o facto de haver um interesse intelectual, ético, estético, sematológico ou cultural na leitura das Escrituras pode abrir várias portas para a teofania que nós protestantes sabemos ser possível através da Bíblia. Por outro lado, a monocularidade racionalista sobre a Palavra de Deus é um provável entrave a uma abertura espiritual, necessária para que a mensagem seja revelada. Enquanto crente nas Escrituras, não nego o conforto de ter referências em personalidades insuspeitas que impedem a ridicularização sumária das coisas em que acredito. Apesar de a minha Fé não estar em causa, entre as várias tendências filosóficas ou políticas (não estou certo que aqui há dissociação) ver surgir pareceres intelectuais que reverenciam a Bíblia, dá algum alento. Infelizmente já não se faz mais nenhum Kierkegaard ou nenhum Pascal. Infelizmente nem todos os que defendem a Bíblia têm autoridade moral ou intelectual. Infelizmente ainda se dá a primazia à estrutura ignorando o conteúdo, o cultural antes do espiritual. Infelizmente ainda há muitos caracóis cristãos que esperam o sol das sumidades para porem os corninhos de fora.
Continua a ser o ego que dita as vantagens. Dantes eu era um "totó" que lia a Bíbila devocionalmente, mas hoje já posso ser um rapaz de 24 anos que lê a Bíblia devocionalmente. A devoção não é entendida, mas as cuspidelas que rebaixavam são ultrapassadas pelo interesse atento dos "sábios profissionais". Assim não fecho as portas a quem mas abre. Ninguém é "bem-aventurado por não se deter no caminho dos intelectuais". Muito bom cristão se esquece disso e só se lembra que Jesus escolheu a companhia de pescadores. Eu prefiro lembrar-me que não há desculpa para a estupidez. A humildade, essa sim, não precisa de desculpa.
Sou dos que sorriem para os intelectuais e até admito acusações de periódica fascinação. No entanto, antes de me contaminar, prefiro continuar a ser o "totó" que faz os devocionais. "Pseudo-totó".
Samuel Úria

[Sem título]
O dia 11 de Março ficará a partir de agora marcado para a posteridade por um acontecimento muito mais trágico que o contra-golpe de 1975, aquele que inauguraria o período certamente mais tenso da história recente do nosso país. Os atentados de Madrid voltam a manchar de sangue e lágrimas mais um dia 11. Independentemente das seculares rivalidades e de um certo ignorar mútuo entre os povos ibéricos, não podemos ficar insensíveis ao que se passou na capital do Estado vizinho. São, afinal, apenas 600 quilómetros que separam as nossas duas capitais, pelo que é real a proximidade e a presença entre nós, entre todos nós, deste novo fenómeno que é o "terrorismo global".
Entretanto, neste mesmo 11 de Março, o de 2004, outras coisas se passaram neste pequeno país. De destacar a estreia do já afamado, e tão afamado quanto controverso, filme "A Paixão de Cristo" de Mel Gibson. Sem ser a pessoa mais qualificada para fazer crítica de cinema, arrisco mesmo assim a avaliar o filme como impressionante e brutal.
O realismo do sofrimento de Jesus levado até à exaustão tem certamente resultados diversos perante os seus espectadores. Por um lado, releva um aspecto muitas vezes negligenciado na vida de Jesus ou, pelo menos, olhado com ligeireza: o sofrimento físico, a tortura psicológica e a forte tensão que se abateram sobre o Filho de Deus, nos últimos momentos da sua vida terrena. O que Gibson quis certamente mostrar, como muitos outros artistas o têm procurado fazer ao longo destes dois milénios, foi que Jesus efectivamente sofreu por nós. É particularmente significativo o papel simbólico do sangue, o qual tem uma força e presença teológica notável ao longo de toda a história bíblica da salvação. Mel Gibson recupera essa imagem de uma forma poderosa, de tal modo que quase podemos acompanhar o processo de derramamento de cada uma das gotas de sangue de Jesus, desde o momento em que o seu suor se transforma em sangue até ao grito final "Está consumado".
Por outro lado, todavia, corre-se o risco, certamente calculado pelo autor da película, de resumir a vida de Jesus a este momento ou, mais perigoso ainda, resumir a sua obra ao episódio da morte. Claro que seria essa a intenção do autor... e também é verdade que, para que outras conclusões não se venham a tirar, a ressurreição é efectivamente o fim da história. Quase como um anexo, quase como um apêndice, mas ela lá está com uma literalidade impressionante, apesar de retratada de forma curta e pouco expressiva, ao contrário de cada um dos restantes momentos do filme.
Uma obra é sempre uma criação artística. E, nesse aspecto, independentemente de tudo o que se venha a dizer sobre esta criação artística em particular, a verdade é que ela tem méritos assinaláveis. A verdade é que, apesar de todo o material extra-bíblico ou mesmo extra-histórico presente no filme, apesar de todos os elementos de interpretação pessoal que uma obra desta natureza tem que necessariamente conter, esta nova leitura sobre o sofrimento de Jesus vai ficar a fazer parte do vasto conjunto de obras sobre este tema inesgotável. Quer se queira quer não Jesus é uma figura incontornável da nossa história comum.
Uma das últimas imagens do filme impressiona pela recriação de um tema já glosado por inúmeros artistas, apesar da mais conhecida interpretação pertencer ao génio renascentista Miguel Ângelo. A pietá de Mel Gibson passará também a partir de agora a fazer parte das galerias de todo o mundo, nem que seja através das nossas mentes.
Timóteo Cavaco

Mensagem e Obra
Várias intervenções recentes em torno da questão do aborto e do filme "A Paixão de Cristo", que estreou ontem em Portugal, vieram chamar a atenção para a distinção que muitas vezes se pretende fazer entre a mensagem e a obra de Cristo.
Para o cristão as duas partes estão profunda e coerentemente ligadas. A mensagem aponta para a obra, e a obra apresenta-se como o cumprimento e a certificação da mensagem. Mas para os que reconhecem Jesus apenas como mais um "homem bom", ou mestre, ou profeta, torna-se preferível separar os dois elementos. Repare-se como quase toda a gente tem algo de positivo a dizer sobre a mensagem de Cristo. Desde o extremista de esquerda ao militante ultra-nacionalista, desde o ateu ao fanático muçulmano, todos encontram nas palavras de Jesus afirmações e intenções que subscrevem. No entanto, quanto se trata da obra, a atitude que prevalece é a rejeição. Seja ela deliberada, negando a realidade ou a validade da morte e ressurreição do Filho de Deus. Seja implícita, desvalorizando, ou esquecendo mesmo, as implicações da crucificação e do túmulo vazio.
Percebe-se o motivo desta divisão. A mensagem pode ser truncada, relativizada, interpretada em incontáveis perspectivas históricas, convertida em metáforas ou espiritualizada. Enquanto a obra, acto único, definitivamente localizado no tempo e no espaço, não permitindo, por isso, o mesmo tipo de modelações, confronta-nos com apenas duas respostas possíveis: sim ou não. E é esta clareza (ou crueza, segundo outras opiniões) que incomoda. Por certo, agrada mais seleccionar as palavras de Jesus que corroborem os nossos pontos de vista. Ou dizer que Ele veio mostrar o caminho, e depois seguir na direcção que mais nos interessa. Ou, ainda, colocá-Lo de reserva para as urgências que espreitam o dia-a-dia. Aceitá-Lo como Senhor e Salvador, consequência lógica da Sua pregação, morte e ressurreição, e único acesso ao Pai, exige um outro tipo de atitude. Exige compreender a mensagem e aceitar a obra. Exige um compromisso total.
Não surpreende, pois, que se pretenda separar o que está umbilicalmente ligado. Na era dos produtos "light", uma versão menos exigente e mais "amigável" da Boa Nova tem sucesso garantido. Aos discípulos de Jesus Cristo cabe, no entanto, a responsabilidade de denunciar o engano e contrapor a versão completa e eficaz. O Evangelho das palavras e dos actos, "que é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê" (Romanos 1:16).
Pedro Leal

Meu Senhor, meu inimigo
No filme de Gibson há algo incontornável. Pode estar exagerado e inflaccionado para efeitos de sensibilidade cinematográfica. Mas o facto é que Jesus em muito foi odiado. Será habitual enclausurar o Messias nas suas palavras amorosas e nas diversas manifestações de compaixão que tomou em vida. Mas o retrato ficará incompleto se nos esquecermos que a sua missão acelerava a má relação entre Deus e as suas criaturas. Para a resolver.
O meu Senhor é em grande medida o meu maior inimigo. Isto afirma o cristianismo. Na fé dos apóstolos Cristo não vem aperfeiçoar o que de bom há nos homens. Não vem retocar os conceitos religiosos. Nem tão pouco fornecer orientações para uma vida mais equilibrada. Há um confronto profundo e destruidor. Importa nascer de novo, diz a Nicodemos, homem experiente no discurso espiritual. Esta imensa separação que é o pecado não é passível de cosméticas. E todos nós temos interiormente um apetite interno que se satisfez no sacrifício e morte física de Jesus. Naquela refeição amarga o meu orgulho e a dureza do meu coração vingaram-se.
É aqui que as coisas se tornam nítidas. O cristianismo é geralmente interessante à sociedade civil até ao ponto que se intromete com as almas. Conhecemos os pretextos. O pecado é um conceito ultrapassado. Freud explica a coisa melhor. Não é possível nos nossos dias falar em bem e mal. O inferno é um delírio. E por aí fora.
Neste sentido o filme de Gibson é apropriado. A sua preocupação desmesurada em colocar Jesus a ser sovado pelo maior número possível de pessoas sublinha a condição essencial da fé de que antes de ser nosso Salvador, o Senhor é nosso adversário. Quem não admite este ponto de partida dificilmente deixará que Jesus rasgue a ternurenta e hipócrita gravura do homem bom da Galileia.
Para mim, pessoa que procura seguir o Mestre, o que explica que de uma condição miserável de inimizade passe a outra em que Cristo aceita o convívio comigo? A profunda e inabalável certeza que o amor dele muda tudo. E que transforma a pessoa que eu mais odiei na vida naquela que mais amo.
Tiago de Oliveira Cavaco

sexta-feira, março 05, 2004

Do editor
O nono número d'Os Animais Evangélicos traz-nos:
- "o aborto, estúpido!" pelo Samuel Nunes
- a Defesa do Consumidor evangélico feita por mim
- a luta entre o Samuel Úria e a burocracia
- a importância da forma para o conteúdo pelo Pedro Leal
- o regresso ao útero pelo Timóteo Cavaco
- e a recomendação do Paulo Ribeiro.
Há Correio Animal do Leitor. Boas impressões (vale a pena gastar um pouco de cor do tinteiro!) e melhores leituras.
TOC


"Vai e não peques mais"

É o Aborto ... Estúpido!
Por que não me matou Deus no ventre materno? Por que minha mãe não foi minha sepultura? Ou não permaneceu grávida perpetuamente?” (Jeremias 20:17)
Este desabafo de Jeremias revela das ligações mais profundas entre Deus e o Homem: A Criação personalizada. Jeremias, não podendo, pela Lei Judaica amaldiçoar os seus pais ou a Deus, pelas suas dores, lança um grito de revolta contra o seu nascimento. É um grito de extrema violência que fere o coração sensível de Deus, pois Deus tinha afirmado categoricamente: “Antes que Eu te formasse no ventre materno, Eu te conheci” (Jeremias 1:5). Com este desabafo Jeremias está a por em causa a utilidade da criatividade de Deus. “Olha só, aquilo em que desperdiçaste o teu génio criador!” “Formaste-me para isto!?” E aqui uma verdade absoluta (sim, elas existem!), atinge-nos como um soco no estômago: No ventre materno Deus já comunica com o ser humano! Só podemos conceber um Deus criador que seja também comunicador. Criação envolve comunicação. E quando Ele comunica fá-lo a nível pessoal e de forma personalizada. Passemos às conclusões práticas:
1 – O feto é um ser de natureza humana.
O bebé no ventre materno é um ser de natureza humana porque é produto de pais humanos, e tem um código genético humano peculiar. A Dr. Micheline Matthew Roth afirma: “uma vida humana distinta começa na concepção quando um óvulo e esperma se juntam para formarem o zigoto e este ser humano em desenvolvimento será sempre um membro da nossa espécie em todas as fases da sua vida”. O físico Dr. Hymie Gordon, da Clínica Mayo, diz claramente: “A questão do começo da vida não é mais uma questão filosófica ou teológica. É um facto científico experimentalmente verificado que toda a forma de vida, incluindo a vida humana, começa no momento da concepção”. Por isso, podemos afirmar sem medos que o nosso desenvolvimento como seres humanos começa na concepção, não viemos do zigoto, houve um tempo em que éramos zigotos; não viemos do embrião, fomos embriões; não viemos da adolescência, fomos adolescentes. Os defensores do aborto defendem o aborto por escolha da mulher até às 10 semanas. Ora, com 5 semanas já há uma batida de coração perfeitamente distinta do ritmo cardíaco da mãe (qualquer ecografia o comprova). O que bate ali é um coração humano, não é um relógio Swatch. Ah, mas dirá alguém, não está ainda completamente desenvolvido. Não tem todas as capacidades dos seres humanos! Claro que não! Mas um tetraplégico, também não, e ninguém afirma que por não usar todas as suas potencialidades, o deficiente não é humano. O carácter humano dos seres vivos, é inato. Não são as descrições físicas e as funções que distinguem o ser humano. É a sua essência! O cerne! E esse atributo é transmitido no encontro imediato dos cromossomas. A Bíblia chama-lhe “rhuah”, o espírito vivificante de Deus. Aquilo que nos torna “outra coisa” que não coisas.
2 – O direito da mulher controlar o seu corpo é absurdo.
Este é um argumento favorito das eco feministas e das feministas pacifistas: “Aqui mando eu!” Todavia, não se dão conta do absurdo da sua posição. Por que qual é o tipo de controlo de que estamos a falar? Um controlo que permite uma acção violenta contra outro ser humano? Isso é machismo! – gritam as feministas. E têm razão. É dum machismo abjecto a atitude dos homens que dominam a mulher pela força, e os movimentos dos direitos das mulheres estão correctos em denunciar essas situações. Mas, o aborto envolve uma violência contra um ser indefeso e dependente. É controlo machista! Atitude que as feministas são as primeiras a combater. Argumentarão: Não é violência maior ter uma criança não desejada? Respondo que não. Mil vezes NÃO! É o modelo masculino (contestado pelas feministas, não esqueçamos) que se guia por acções naturalmente hierárquicas e orientadas para o poder e para o controlo, que é estabelecido no aborto. Porque os interesses do feto (que é impotente) são suprimidos, em favor dos interesses da mãe. Mas, na suposição de que o pensamento feminista será igualitário na sua visão social, teremos de levantar uma questão incómoda: Por que prevalecem os interesses da mãe sobre o feto? É absurdo.
3 – O aborto é a morte brutal dum ser humano inocente.
É uma morte. O zigoto cumpre todos os critérios necessários para que se estabeleça a existência duma vida humana. O seu metabolismo tem vida própria, há potencial para o desenvolvimento, a capacidade de reagir a estímulos está lá e a reprodução celular é um facto. Terminar este processo é obliterar uma vida. Fico admirado com o entusiasmo de certas pessoas à volta duma poça de água, como um possível indício de vida na Lua. No entanto, essas mesmas pessoas ficam indiferentes às capacidades metabólicas e reprodutivas que um feto apresenta.
E é brutal, porque o feto para ser desalojado, tem de se partir aos pedacinhos, ou por sucção ou com tesouras minúsculas. Outros métodos incluem soluções salinas que são injectadas no líquido amniótico, queimando a pele do feto até ele encolher no útero ao fim de algumas horas, reduzindo-se a um cadáver.
E é o exterminar brutal duma vida inocente. Os fetos no ventre nada fizeram de errado. Porque é que são castigados? Merecem protecção pré-natal, não a pena capital. Mais uma vez, regista-se uma dualidade de critérios. Para muitos a pena capital não é aceitável, mas são os primeiros a defenderem o aborto. Fica o alerta: É o aborto ... estúpido! (Sem dúvida que é! O quê? Estúpido!)
Samuel Nunes

As asneiras dos profetas
Na minha classe de Escola Bíblica Dominical vamos começar a estudar a oração do Pai Nosso a partir de uma reflexão de Martinho Lutero. Não de Phil Yancey. Não de John Stott. Não de C.S. Lewis. Não de Ricardo Gondim. Do padre desavindo. Do autor de algumas frases nada gentis sobre os judeus. Do leitor amedrontado da epístola de Tiago. Do fundador relutante daquilo a que algo candidamente se veio chamar a Reforma Protestante.
Na adolescência admirei o monge alemão como se fosse um Che Guevara divinamente aspergido. Faziam-me falta posters no quarto. À medida que a parede se voltou a despir passei a compreender as asneiras dos profetas.
O campeonato das beatitudes é tentador. O crente actualizado, atafulhado consumidor do merchandising evangélico, escorrega na sua humanidade. Confunde a nova criatura com as mutações dos bichos da seda da caixa de cartão infantil. O esquema é macio ao toque mas cruel. Quem não exibir umas asas lustrosas dificilmente será contado nas páginas do Livro da Vida. Quem se converte corta o hábito de rastejar. As larvas tornam-se uma memória para esquecer na eficaz teologia instantânea-em-pó.
O nosso país tem conhecido um par de recém-convertidas mediáticas. A festa que se segue é previsível. Espremidas no envolvente circuito eclesiástico, cedo se tornam bandeiras para a causa missionária. Dá-se-lhes uma importância desmedida e exagerada. Como se fosse preferível que todos aparecêssemos nas revistas. Ao mais inocente desvio do santificado padrão, a classe piedosa apoquenta-se: onde foi parar a fé de outrora? Torna-se nítido que a jóia da coroa só valia enquanto representava a classe, o símbolo corporativo de ser evangélico. A pessoa é sempre descartável.
Há inúmeras vantagens em conhecer os podres do Lutero quando me preparo para o estudar. Coloco o emissário no seu devido lugar. Não o confundo com a mensagem. A finalidade da fé não é a sugestão de um estilo bem sucedido. De uma causa pura para as multidões. Isso é conversa de comunista. A religião verdadeira trata da salvação da alma. A pessoa não é descartável.
No final dos anos setenta os evangélicos americanos pularam de alegria ao saber da fresquíssima condição de nascido de novo de Bob Dylan. O tempo passou e o cantor deixou-se de sermões nos seus discos. Hoje a sua condição religiosa é um constragimento para os crentes. É óbvio que nunca ninguém quis saber do pobre Bob para nada. Interessava sim embandeirar em arco que a ilustre voz de uma geração estava do nosso lado. Isto não é evangelho. É a mais rasteira propaganda. Enquanto for este o produto à venda nas nossas igrejas eu estarei atrás do balcão de reclamações do consumidor. A ler a “Explicação do Pai Nosso” do truculento Martinho.
Tiago de Oliveira Cavaco

Escrita automática em impressos
Em adágios pouco “salomónicos”, o habitante do nosso país guarda tudo para o fim. Sem bacalhau no prato, sem fado no leitor de cds e sem bigode para cofiar, sinto-me tragicamente português. Mas isto não é de hoje, é de todas as quintas-feiras em que o calendário me impõe o constante lembrete de ter à noite um encontro com o teclado do computador. Quinta-feira tem sido, nas últimas 10 semanas, o dia imposto para o envio dos textos do(s) “Animais Evangélicos” e o dia escolhido para os escrever. No entanto, nesta quinta em particular, afligiram-me a falta de tempo, o cansaço e a constante presença de aterradora burocracia. Ainda assim avistei luz ao fundo do túnel, muito devido a algum apalermado optimismo: hoje era o dia perfeito para escrever pouco, para me redimir do constante excesso de linhas que transbordam semanalmente. Óptimo, pensei, talvez não houvesse tanta gente a saltar o espectro palavroso das coisas que escrevo. Convenhamos, ser um “animal evangélico” não me obriga a estar sempre a bater em questões que exigem opiniões inflamadas. Há tempo para abordar a eutanásia mas muito mais para deliberadamente não o fazer.
Então hoje era dia para escrever pouco, dia para não me preocupar muito. Só que…nada. A azáfama e a impiedosa trajectória das horas, sempre em frente, sempre rápidas, não me permitiam assentar ideias sobre um tema a desenvolver. Queria dizer pouco mas o que tinha era mesmo nada. Entre repartições escolares lá ia aparecendo um banco de jardim ou outro de café. Pegava na parte de trás de uns impressos inutilizados e começava a escrevinhar algumas coisas. Guardava a esperança (apalermado optimismo) de à noite conseguir criar uma argamassa de frases para juntar ideologicamente aqueles pensamentos dispersos que, em escrita automática, me iam surgindo das mãos. Outro ditado, também pouco salomónico, afirma que “quem diz a verdade não merece castigo” e eu aproveito o balanço para confessar: As seguintes considerações estão desarrumadas porque não tive capacidade de ludibriar ninguém com uma narrativa consistente que as englobasse. Também aproveito para ser impecavelmente honesto e declarar que o formato em que surgirão tais pareceres é fruto da minha inépcia e não advém de qualquer influência pascaliana.
Depois de ficar de olhos em bico numa secretaria escolar, tentei atacar a coisa que mais me aflige – a burocracia – partindo de qualquer base bíblica. Não cheguei a alguma conclusão o que é muito positivo, pois usar a bíblia para justificar ódios e medos tem às vezes resultados muito maus. Fica então o pequeno e inacabado texto:
“Adão e Eva comeram o fruto, foram expulsos do Paraíso, ficaram nus, veio o frio, veio a vergonha, veio a burocracia.
Safou-se o primeiro dos homens ao ter nomeado os animais antes do pecado original. Safou-se a bicharada de aguardar a vez enquanto, por se terem inadvertidamente rasurado, folhas de inscrição eram substituídas por novas. As listas de espera não resistiriam à cadeia alimentar.”
Imbuído da mesma escassa profundidade, escrevi o segundo texto num banco de jardim plantado em frente a uma loja de música. As escandalosas promoções não seduziram a minha falta de dinheiro nem tampouco salvaram a sequência de garatujos que se segue. Nesta altura estava decidido a resumir ao máximo o texto final.
“Vejo pessoas a olharem para as montras e distingo dois tipos de homens (as mulheres permanecer-me-ão um intrincado mistério): os que em alguma altura da vida imaginaram tornar-se escritores e os que começam a perceber que o sonho de ser futebolistas já não passa disso. Tanto uns como outros precisam de Jesus. Não entro em explicações complicadas. Bastou dizer-se que um determinado nome de electrodomésticos “é bom”, para a marca vender os seus produtos, não falando no que se poupou em segundos de publicidade radiofónica. Desta feita, num mundo amamentado com “slogans”, mais vale dizer que “Jesus é bom” para não competir com o conforto das mentes preguiçosas que precisam de saber e não entender. O homem do talho, o sinaleiro e o teu irmão precisam de Jesus. Porquê? Porque Jesus é bom. Se por aqui me ficar mais gente chegará ao fim deste texto e eu próprio também me estrearei no chegar ao fim de uma questão.”
Ainda no mesmo local, uns pequenos apontamentos:
“O melhor músico do séc. XIX era surdo. Nos anos 60, os melhores filmes sobre o Oeste americano eram italianos. Por volta de 30 e poucos D.C., o homem que melhor e mais rapidamente entendeu a mensagem de Jesus era um condenado criminoso (em segundo lugar fica um desonesto cobrador de impostos).”
“Há quem ouça o padre aos domingos e a astrologia no programa do Goucha às segundas-feiras. Há quem vá a pé para Fátima, de carro à bruxa, mas evite sair de casa com medo da consulta no dentista. Eu fiquei acordado até ás 5 da madrugada a ver os Óscares, por isso não me parece que a estupidez seja uma coisa exclusiva de quem não é salvo. Pelo menos o Billy Cristal preconiza uma melhor desculpa que todas as outras.”
Finalmente numa pastelaria, já com manchas de açúcar pasteleiro nas calças de ganga, desenrasquei tempo para pegar no porta-minas e esgrimir umas poucas e desamparadas palavras:
“Se fosse conhecida com exactidão a data do dia do Pentecostes, de certo hoje nunca fariam coincidir com ela a “Marcha por Jesus.”
“Mónica Bellucci no papel de Maria Madalena será talvez a coisa mais anti-semítica que o filme de Mel Gibson irá trazer.
Nada mais chegou ao papel. Quase tão pavorosa como a burocracia é a falta de inspiração. Pior que todas é a falta de tempo. Nem sei como concluir este peculiar desastre “exegético”. Talvez com outro pensamento disparatado, este surgido no início da minha redacção final:
“Outra coisa a lembrar-me que sou português é a camisola interior de alças que trago por baixo da roupa.”
Samuel Úria

[Sem Título]
“O romance pode conter passagens mais fracas. É sempre julgado pelo conjunto. O conto, não. O seu grande modelo é a parábola bíblica: prescinde de detalhes, de personagens, de diálogos, cada palavra está no seu lugar. Entendo que Kafka tenha ficado fascinado por ela.”
A afirmação pertence ao escritor Moacyr Scliar. Este brasileiro, com mais de cinquenta títulos publicados, e assumidamente longe da ortodoxia cristã, toca num ponto que os que têm a Bíblia como livro basilar muitas vezes não valorizam – a qualidade literária das Escrituras (exceptuando, talvez, as referências à poesia dos Salmos ou à crónica histórica de Lucas nos Actos dos Apóstolos).
É certo que a verdade se revela no conteúdo e não na forma. Contudo, assume profundo significado que o próprio Deus tenha tido o cuidado de “vestir” a Sua mensagem com a melhor arte.
Esta constatação sugere dois comentários.
Em primeiro lugar, a necessidade de procurar a maneira mais apurada, dentro dos limites pessoais, para comunicar o Evangelho. Isto implica, por exemplo, a música utilizada nos cultos, a arquitectura e decoração do edifício onde a igreja se reúne, o artigo para publicação num jornal. Buscar sempre a melhor forma para apresentar o melhor dos conteúdos. Sabemos que a tendência humana aponta exactamente em sentido contrário. Para o nivelamento por baixo. Mas o “quanto-baste” não é o padrão de Deus. O próprio Deus, como vimos, dá o exemplo.
Em segundo lugar, importa saber o tipo de arte que a transmissão da Boa Nova requer. Como nota Scliar, as parábolas de Cristo são um exemplo de concisão. Têm as palavras necessárias, colocadas no sítio certo, não se dispersam em adornos balofos. Quer isto dizer que a arte cristã deve ser obrigatoriamente seca e minimalista? Com certeza que não. Quando o salmista incita “tudo o que tem fôlego” a louvar ao Senhor, está a afirmar, de forma clara, a multiplicidade de géneros e estilos. A questão reside, antes, na capacidade de depuração. Ou seja, uma vez retirado o invólucro artístico a mensagem permanece intacta e perceptível?
Para artistas e não artistas, a parábola bíblica é, ela própria, uma imagem do ideal de vivência cristã. Exigente e empenhada, na sua construção, simples e clara, no resultado final.
Pedro Leal

[Sem Título]
Certamente não há maior lugar-comum, esta semana, do que falar no importante tema do aborto. Se não me falha a informação, foi esta a quinta vez, desde a Revolução de 1974, que o Parlamento e, consequentemente, toda a sociedade discutiram de forma mais objectiva este assunto. Por diversas vezes, também, fui chamado a pronunciar-me, em privado ou em público, sobre o tema e tenho até posições bastante radicais sobre o mesmo. Nesta altura, não interessará tanto dirimir argumentos mas mais reflectir, embora que sumariamente, sobre a forma como o assunto foi abordado e o tipo de razões apresentadas, mormente por aqueles que tão militantemente procuram por todos os meios alterar a presente lei. Diz o meu amigo Manuel Rainho que “imparcialidade não existe” e isso está absolutamente correcto. Assim sendo, também a minha leitura da forma como o tema foi discutido é influenciada pelas minhas convicções sobre o tema em si. Porém, deixá-lo… é isso que se quer dizer com a “imparcialidade não existe”. Ficam, assim, mais dúvidas do que certezas, mais desilusões do que ilusões, mais agonias do que novas amizades. Vou, por isso, listar um punhado de frases soltas que me ficaram a ecoar na mente ao longo destas últimas semanas.
Embora possa parecer cruel, não tenho a completa certeza de que todas as mulheres que praticam a interrupção voluntária da gravidez têm a plena consciência do seu acto e que sofrem profundamente ao tomar a decisão de abortar; questões de mero pragmatismo de carácter económico ou financeiro estão muitas vezes na origem de tais decisões. Para além disso, os conceitos do valor vida humana não são suficientes para determinar a resposta a dar, para muitos dos cidadãos e das cidadãs.
Apesar de todos sabermos que juridicamente o referendo realizado sobre a matéria não ter sido válido, e de ter sido uma escassa maioria dos que nele participaram a determinar a rejeição da alteração à lei actual, o que pergunto é se os senhores e senhoras que acham que 5 anos é tempo suficiente para o povo mudar de opinião, estariam dispostos a auscultar novamente esse mesmo povo 5 anos depois de uma eventual vitória da descriminalização; ou aí já valeria apenas o argumento “o povo decidiu, está decidido”?!
Não é verdade que o aborto seja praticado fundamentalmente pelas classes de menores rendimentos como forma caridosa de evitar que seres humanos sejam lançados neste mundo sem condições para viver uma vida digna ou, pelo menos, para passarem uma infância minimamente tolerável. A verdade é que muitos dos abortos que se praticam resultam de meros caprichos das classes abastadas.
Carece de fundamento a intimidação primária de que as mulheres que praticam actualmente a interrupção voluntária da gravidez serão lançadas em terríveis masmorras, e isto em pleno século XXI; não tem acontecido e não vai certamente acontecer, pois essa não é a prática. Estranho é que senhores tão informados não tenham visto na proposta do Prof. Freitas do Amaral o “ovo de Colombo” que ultrapassa esta questão; obviamente que tal proposta não lhes convém pois acabaria com tanta militância.
Finalmente, pergunto-me como se pode dar cobertura intelectual ao abuso de certas mulheres que despudoradamente fazem questão de proclamar que são donas e senhoras do seu corpo. Mais do que por simples convicção religiosa, acho que tal tipo de afirmação exacerba ao máximo expoente um individualismo nada saudável.
Timóteo Cavaco

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O CORREIO ANIMAL DO LEITOR

Estimado Boss,
Cá vai a minha resposta à sua reacção irónica.
1 - Foi pena não ter compreendido a distinção que eu quis fazer entre o que considero tolerância social e aprovação social. Em relação à homossexualidade a primeira é de abraçar enquanto a segunda é de rejeitar. É a minha opinião, e vale como tal. Mas tenho visto que você é duma intolerância total, chegando ao ponto de ser dogmático, no juízo que faz de pessoas que não concordam consigo. Concretizando: o Vilas.Boas pode ter ideias parvas e criminosas, mas tem direito a tê-las. Exerce um cargo público. Pois as ilações devem ser tiradas, sem risco das suas opiniões serem silenciadas. Avancemos!
2 – Você assume que o meu cabeleireiro é efeminado, mas eu nunca lhe dei tal informação. Na realidade, ele não o é. Ou seja você é um indivíduo pre-conceituoso. E da pior espécie, porque está a ter um preconceito em relação a outro homossexual. Não há um código de não agressão entre vocês?
3 – Falando em códigos. Achei interessante num dos postes mais intimistas que publicou, dizer que preferia que as “bichas efeminados desaparecessem” (ou qualquer coisa nesse sentido). Então mas os efeminados não são homossexuais, e como tal com direito a serem respeitados na sua personalidade. Travestis, transsexuais, bisexuais, “you name it”, todos devem ser integrados e não rejeitados. Mas você é duro com essa gente. Acaba por ter um discurso mais homofóbico (desculpe lá, não tenho o link para o site como você tem), do que eu.
4 – Depois diz a certa altura que você gosta doutros homens e por isso é homossexual. É homem! Tudo bem, o que me ultrapassa é saber o que faz de si essencialmente um homem (não estou a ser ofensivo). O que é que constitui o tecido do seu ser, da sua mentalidade e da sua sensibilidade, para você afirmar que “é homem”. Bem entendido, se você é homem, será homem em comparação com a mulher. Ou não? Ou acha que isso de ser homem e mulher é uma questão cultural, e nada tem a ver com a sexualidade. E, se tem a ver com a sexualidade, não haverá mesmo no casal homosexual, uma vertente feminina? Então, poderá ser possível ser-se homossexual muito ... mulher!
5 – Entretanto, mais recentemente você afirma (de forma dogmática outra vez) que “um homem dormir com outro homem é paixão”. Aceito. Todavia, penso que a paixão não pode ser o nosso teste aferidor da verdade. (E não me venha dizer que a verdade é relativa, porque você afirma categoricamente que “é paixão”. Para si isso é a verdade. Senão, o seu discurso passará a não fazer sentido.) Veja só: um pedófilo também pode dizer que é paixão dormir com uma criança de 9 anos; um canibal dirá que é por paixão que come pessoas; um bárbaro dirá que a paixão leva-o a bater na mulher; e o Bush dirá que é uma paixão invadir países. Ou seja, agir apenas no repelão da paixão é absurdo. Fico por aqui. Felicidades.
Animalescamente
Samuel Nunes